A partir de 1º de janeiro de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecerá oficialmente a velhice como doença. O código é MG2A e define “velhice sem presença de psicose”. Mas envelhecer é o mesmo que adoecer? A revolução da longevidade tem apresentado respostas contrárias. O mundo está ficando mais velho e mais rápido do que se esperava, a transformação vem a galope.
Viver bastante, com qualidade, deixou de ser um sonho e nas últimas décadas passou a ser realidade, uma condição que está, pouco a pouco, invertendo a pirâmide etária conforme apontou o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) ainda em 2013. Pessoas com mais de 60 anos, que eram 962 milhões em 2017, devem alcançar 2,1 bilhões em um espaço de três décadas.
Um reflexo de conquistas da medicina e uma transformação que afeta uma nova geração de pessoas mais velhas, que quebrou barreiras na juventude e repete esse padrão de ruptura na velhice rejeitando a figura do aposentado – fadado ao aposento. Aos mais novos, há uma nova fonte de inspiração e a ciência é uma grande aliada de quem deseja seguir o exemplo.
Ao mercado, a dificuldade de recrutar novos talentos pode aumentar, porém a intergeracionalidade mostra suas potências e a inércia de manter uma imagem jovem pode não ser mais o caminho, já que população acima dos 50 anos representa o terceiro PIB mundial, movimentando um total de US$ 7,1 trilhões ao ano, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Para trazer mais tempo à vida, a busca da cura e do conhecimento das diversas enfermidades foi a tônica da medicina durante o século 20. Um exemplo foi a busca por evitar que bactérias desenvolvessem infecções em soldados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o que levou à descoberta da penicilina pelo médico inglês Alexander Fleming e, consequentemente, dos antibióticos sendo aplicados em seres humanos desde os anos 1940.
Essa dinâmica é a chamada patogênese e foi o fio condutor desse processo, induzindo do planejamento urbano de cidades à indústria alimentícia e, é claro, a produção de remédios. O método teve muito sucesso e o exemplo do cidadão brasileiro salta aos olhos, pois a média da população não alcançava os 34 anos
em 1900, enquanto em 2014 passou dos 75, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Porém, toda ação tem uma reação.
“A partir do momento que conseguimos prolongar a vida se coloca um outro desafio. Lutamos para acrescentar anos à vida, agora é para trazer vida aos anos”, afirma Luiz Riani, médico do esporte na Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo), atualmente trabalhando em um programa de medicina do estilo de vida, especialidade que surgiu há aproximadamente 15 anos na Harvard Medical School, no Brasil tratada como área de concentração: “É o termo utilizado quando outras profissões trabalham em condição de igualdade e começa a quebrar essa rede hierárquica da medicina como algo subjugador”, explica.
“Lutamos para acrescentar anos à vida, agora lutamos para trazer vida aos anos”
Luiz Riani, Médico do esporte da USP
A medicina do estilo de vida pode ser analisada por meio de diagramas complexos, com diversos ramos, mas de forma geral conta com seis pilares básicos: alimentação, atividade física, qualidade do sono, controle do uso de substâncias tóxicas (álcool e tabaco, mas também pode incluir a hipermedicação), controle do estresse e estabelecimento de uma rede de suporte social. Riani explica que inicialmente se ateve à medicina científica por ser algo mais palpável, porém o avanço nos estudos o levou a uma outra opinião. “Para a medicina, o estabelecimento de uma rede de suporte social se configura como o principal pilar,
chegando ao ponto de conseguir suplantar e até converter os demais. Esse pode ser o diferencial para adoecer ou não e é um modelo que vem sendo estudado”, acrescenta Riani.
Preservar os laços sociais torna-se essencial, porém os outros pilares também são de extrema importância, o que abre espaço para todo um avanço tecnológico de aplicativos e gagdets do dia a dia, chamados de wearables, para aumentar a consciência de cada um sobre o seu próprio corpo. “Esses equipamentos são maneiras de se perceber e a partir do momento que se toma essa consciência se opta por melhorar. O cuidado com a saúde tem que ser algo construído pelo indivíduo e é um grande desafio”, comenta o médico do esporte.
Mercado em desencanto
Patricia Galante de Sá, coordenadora acadêmica da trilha de longevidade da Fundação Getulio Vargas, explica que o movimento é acelerado e tem pautado as agendas de discussão no mundo todo. No universo da cultura pop, estrelas como as atrizes Jane Fonda e Sarah Jessica Parker quebram preconceitos e assumem orgulhosas suas idades, enquanto fintechs convidam grisalhos para protagonizar comerciais. Porém, há também o outro lado, como a tal publicação da OMS sobre a Classificação Internacional de Doenças, a CID 11, que propôs nomear a velhice como doença e gerou uma forte reação da sociedade civil, inclusive brasileira, com ações nas redes como o trending topic #velhicenãoédoença.
“Temos outros fenômenos paralelos, como o envelhecimento ativo. Antes o debate era apenas sobre ter saúde, hoje já se fala de propósito. É muito comum pessoas assumindo carreira na maturidade e encontrando novos propósitos de vida. Inclusive levando em conta o desperdício de capacidade que é uma pessoa aposentada no ócio”, conta. Com a inversão da pirâmide, não apenas mais pessoas envelhecem – e com saúde –, mas também fica mais difícil reciclar o quadro de funcionários. “Esse apagão que algumas áreas estão enfrentando só vai piorar, pois com a pirâmide invertida cada vez você terá menos jovens talentos para recrutar”, afirma.
O que parece um grande problema pode ser, na verdade, a oportunidade de corrigir um erro histórico do mercado de trabalho e seu frequente descarte de antigos funcionários, apostando nos mais jovens – e mais baratos – talentos, após uma trajetória de troca e aprendizado. “A empresa investe vários anos em um profissional, quando ele está no prime dele, experiente, com conhecimento acumulado, resolvendo problemas com facilidade, vai lá e descarta”, alerta. A questão ainda tem uma outra face, se levado em conta que essa mesma empresa contrata uma consultoria de alguém mais experiente para resolver problemas que os mais novos não conseguiram. Pois é.
É nesse encontro entre jovens e velhos talentos que Patricia enxerga um potencial imenso que traz enorme benefício às empresas: uma aliança entre potências geracionais como a ousadia e a experiência. “Vivemos uma época em que metodologias de gestão trabalham com colaboração e cocriação. O entendimento é que os potenciais estão espalhados e que diversidade aumenta o seu poder de inovação.”
Economia Prateada
Além da ciência e da forma como o mercado de trabalho lida com o aumento da longevidade, as empresas devem se atentar a um fato importante: o público é um grande mercado consumidor. A dimensão chega a trazer novas terminologias, como é o caso da economia prateada, que abrange tudo o que as pessoas de mais de 50 anos consomem hoje ou vão consumir no futuro, cunhada pela Oxford Economics de 2015, bem como a economia da longevidade, criada pelo americano Joseph F. Coughlin, do AgeLab do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), que abarca a economia prateada incluindo na conta produtos que ajudam a viver mais e melhor.
Ambos os termos são utilizados por Layla Vallias, cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor maduro, e coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre economia prateada no Brasil, atualmente desenvolvendo uma pesquisa da mesma natureza na América Latina. Layla aponta que o assunto é urgente e a demanda é altíssima, muito pela escassez, inclusive, de consciência. “Enfrentamos muitos desafios, seja em políticas públicas ou na iniciativa privada, que não tem produtos e ser
Fonte: Portal Glamurama
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