A legislação trabalhista brasileira permite que empresas contratarem outras empresas especializadas em prestação de serviços. Elas fazem a intermediação entre profissionais, contratados diretamente por elas, e outras empresas com demanda por algum serviço. Este é o processo da terceirização. A relação que antes seria direta (empregado e empregador) ganha essa terceira pessoa jurídica que faz a ‘ponte’ entre a mão de obra profissional especializada e a empresa onde deve ser realizado esses trabalhos.
Esse arranjo entre empresas pode trazer vantagens, já que, na prática, qualquer atividade de uma empresa pode ser terceirizada. Isso pode significar, por exemplo, uma especialização e melhora na qualidade na prestação de serviços aos públicos da organização, redução das despesas com contratação de pessoas, e até otimização da estrutura física e humana da empresa contratante, que pode focar maiores investimentos em suas principais áreas de negócio, impactando positivamente na eficiência e nos lucros.
“Por outro lado, os trabalhadores terceirizados costumam ser ‘marginalizados’ frente aos que possuem vínculo direto com as empresas tomadoras, já que um dos requisitos para a terceirização lícita é que não haja pessoalidade e subordinação direta, visto que há a contratação do serviço e não daquela pessoa específica”, avalia Gabriela Schellenberg, advogada, mestre em Direito Empresarial e especialista em Direito do Trabalho.
“Inclusive, se há subordinação, estipulação de metas e horários, ordens diretas ao terceirizado por parte da empresa tomadora [dos serviços], ela poderá ter reconhecido seu vínculo direto com este trabalhador, aumentando seu passivo trabalhista e comprometendo uma das vantagens que teria ao contratar a terceirizada: o lucro”, complementa.
Justamente o receio da precarização da relação de trabalho foi ponto abordado nas discussões da reforma trabalhista, em 2017. Entretanto, prevaleceu o entendimento de que a terceirização de qualquer atividade da empresa fomentaria a prosperidade econômica com o aumento de postos de trabalho. “Na prática, realmente precariza as relações de trabalho, pois os direitos trabalhistas não necessariamente serão os mesmos dos empregados contratados diretamente”, analisa Fernanda Carvalho, advogada Trabalhista Empresarial. Ela entende que a atuação sindical poderia ajudar a minimizar esses impactos negativos, mas reconhece que essas instituições estão fragilizadas.
“Embora a legislação preveja a responsabilidade subsidiária da tomadora nos casos de terceirização de serviços, na prática, é possível verificar que a maior preocupação dessas empresas, de maneira geral, é o crescimento e aumento de seu faturamento, pecando muitas vezes nos cuidados básicos com a segurança, saúde e condições reais de trabalho a que esses trabalhadores serão submetidos na prestação dos serviços em suas instalações”, critica Gabriela Schellenberg.
De fato, uma busca rápida na internet e são exibidos dezenas de casos de violações dos direitos do trabalhador, condições precárias de trabalho ou pior, análogas à escravidão. Terceirizadas estavam envolvidas na maioria dos casos de exploração de trabalhadores flagradas pelo Ministério do Trabalho, em anos recentes. As pesquisas revelam ainda, por exemplo, que a taxa de mortalidade dos acidentes de trabalho de terceirizados é superior aos contratados diretamente pela empresa, além de receberem, em média, menores salários e sofrerem maior instabilidade, com menos tempo no cargo.
A jurisprudência entende que a empresa contratante também tem responsabilidades (civil ou trabalhista) em relação ao cumprimento da legislação e das condições de trabalho. Ou seja, é possível terceirizar a realização de funções internas, mas não as responsabilidades com o trabalhador. Apesar disso, os casos seguem se multiplicando. Em 2022, foram realizadas mais de duas mil autuações relacionadas a terceirizações pelo Ministério do Trabalho.
Entre as condenações de maior repercussão nos último anos, temos casos envolvendo empresa terceirizada de telemarketing que prestava serviço a bancos e telefônicas; confecções terceirizadas contratadas por marcas de grife; até terceirizadas de serviços agropecuários e empresas do agronegócio entre tantas outras que violaram os direitos do trabalhador.
Atitude comum tem sido, diante de uma crise envolvendo terceirização, a empresa contratante tentar se eximir alegando desconhecimento da situação, e sempre afirmando não compactuar com a utilização de mão de obra irregular, com desrespeito à legislação trabalhista e repudiar situações análogas à escravidão. Esses argumentos, entretanto, não as isentam da desaprovação da opinião pública e nem de prováveis condenações trabalhistas.
CAUTELA NA ESCOLHA
O mercado e a sociedade contemporânea vêm cobrando das empresas que assumam maiores responsabilidades de promover e apoiar relações de produção e consumo mais sustentáveis no longo prazo. Adotar boas práticas ASG (ambiental, social e de governança) já tem sido meta para muitas delas e significa, entre outros, se comprometer em não compactuar com práticas que exponham trabalhadores a situações degradantes, riscos de acidentes ou doenças ocupacionais.
Cautela e estabelecimento de rígidos critérios de seleção e acompanhamento de parcerias com terceirizadas é crucial para minimizar a possibilidade de dano ao trabalhador e à reputação da própria empresa. Afinal, na prática, qualquer desconformidade legal, moral, ética nessa relação impacta ambas as empresas.
Empresa terceirizada e tomadora de serviços precisam ter valores alinhados. A tomadora precisa estabelecer e verificar critérios técnicos e econômicos que atestem a capacidade da terceirizada cumprir o acordo, e fiscalizar ativamente a prestação dos serviços e a observância dos direitos trabalhistas.
A empresa contratada (terceirizada) precisa comprovar capacidade econômica compatível com a execução dos serviços. A contratação de uma terceirizada que não tenha capacidade econômica, pode levar a empresa contratante a arcar com o vínculo trabalhista com o profissional terceirizado.
A advogada Fernanda Carvalho recomenda que a empresa que pretende terceirizar serviços sempre conte com apoio jurídico. “No dia a dia dessa prestação de serviço terceirizado o advogado tem de estar presente, acompanhando o que acontece, para orientar as providências a serem tomadas para evitar um prejuízo maior para o empregado e para a empresa”.
Fiscalização constante
Apresar de não existir expressamente na legislação a obrigação da contratante fiscalizar o serviço realizado pela terceirizada, esta é uma atitude ética, de respeito às normas, à cultura e à reputação organizacional e, principalmente, de respeito às pessoas. A empresa, ao decidir pela terceirização, deve estruturar a gestão desses terceiros, incluindo fiscalização precisa ser constante, até mesmo com visitas in loco.
A falta de fiscalização, tanto dos órgãos governamentais quanto da própria empresa contratante, favorece os recorrentes casos de violações trabalhistas envolvendo terceirizações. “A postura ideal é que os contratantes investiguem, apliquem compliance trabalhista e rotinas preventivas para evitar e combater esse tipo de prejuízos causados à pessoa do trabalhador e consequentemente à imagem e reputação a tomadora, que pode destruir anos de trabalho e construção de uma marca e produto. Além disso, precisamos lembrar que questões políticas podem influenciar na postura das empresas, como uma fiscalização mais ostensiva e dinâmica para evitar tais práticas”, acrescenta Fernanda Carvalho.
Conhecer de perto o que acontece no dia a dia é importante porque, “no direito do trabalho, não é só o contrato que faz a regulamentação e sim o que acontece no mundo real, dos fatos”, pontua. Essas ações preservam também a saúde jurídica e financeira dessas empresas, mitigando riscos de passivos civis e trabalhistas.
Na relação com empresa terceirizada, a empresa tomadora:
- Tem responsabilidades de fiscalização da capacidade da empresa terceirizada manter as operações
- Deve verificar se as condições da prestação do serviço estão em conformidade com a legislação trabalhista e a cultura organizacional
- Não pode exigir pessoalidade na prestação do serviço
- Deve oferecer aos terceirizados as mesmas condições de saúde, alimentação, proteção e segurança dada a seus empregados
- Responde subsidiária ou solidariamente por possíveis danos ao trabalhador
“Infelizmente, não é de hoje que há desequilíbrio entre capital e trabalho. Se nas contratações diretas já existe exploração do trabalhador em troca de mínimos salários e não raras vezes péssimas condições, na terceirização, principalmente se houver ausência de fiscalização e de preocupação real com as condições de trabalho, é até pior, a contratante prioriza o serviço, e não o trabalhador que o irá realizar”, argumenta Gabriela Schellenberg.
TERCEIRIZAÇÃO NÃO SE CONFUNDE COM PEJOTIZAÇÃO
Enquanto a terceirização é a possibilidade legal das empresas contratarem outras empresas especializadas em determinados serviços necessários àquela organização, sem assumir ônus excessivo decorrente dessas contratações (o vínculo trabalhista é entre trabalhador terceirizado e empresa prestadora de serviço), a “pejotização” é a prestação de serviços que se faz por meio de uma pessoa jurídica (PJ), que normalmente é o próprio sócio desta ‘PJ’ e que presta o serviço diretamente para a empresa contratante.
Por não ter as características físicas e jurídicas de empresa, o prestador de serviço pessoa física com CNPJ não pode ser caracterizado como empresa terceirizada. Este profissional deve ter total autonomia no exercício de suas atividades, pois, se estiverem presentes os requisitos do vínculo de emprego como a pessoalidade e a subordinação, por exemplo, caracteriza-se fraude e pode-se reconhecer o vínculo trabalhista com a empresa.
Por Nara Chiquetti – Matéria exclusiva publicada originalmente na Revista MundoCoop – Edição 111
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