Os últimos anos transformaram a economia mundial, principalmente do ponto de vista da digitalização. Impulsionado pela pandemia, o consumidor brasileiro passou a utilizar ainda mais os serviços digitais, e neste contexto, cooperativas de crédito e fintechs passaram a deter uma participação ainda maior no mercado nacional, batendo de frente com os grandes bancos.
Segundo a última edição da Pesquisa Fintechs de Crédito Digital, realizada pela PwC Brasil e a Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), R$ 12,7 bilhões foram concedidos pelas fintechs de crédito em 2021. O volume é quase o dobro do registrado no ano anterior e quase cinco vezes superior ao anotado em 2019. Entre os meios com maior crescimento no crédito via fintechs, destacaram-se os empréstimos destinados a pessoas físicas, que cresceram 141% em 2021 na comparação com o ano anterior. No ano seguinte, em 2022, o Brasil fechou o período de 12 meses com uma alta de 42% no número de fintechs, com 105 empresas do tipo em atividade.
Na outra ponta, as instituições financeiras cooperativas continuaram a registrar crescimento acima do mercado financeiro como um todo, atingindo R$459 bilhões em ativos totais e possuindo uma carteira de crédito ativa de mais R$315 bilhões, segundo dados do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC). Em 2021, o cooperativismo de crédito somou 763 cooperativas, englobando mais de 13,9 milhões de cooperados. No atendimento físico, a maior rede passou a ser de uma cooperativa, o Sicoob, com mais de 4.159 agências distribuídas em todo o país.
Com tais números, a ampla competitividade consolidou o sistema de crédito no mercado interno, com as cooperativas expandindo suas ações de forma a explorar as possibilidades que o crédito digital tem a oferecer. Se em um primeiro momento cooperativas e fintechs pudessem ser colocadas como competidoras, o cenário atual mostra uma conexão que fortalece o setor como um todo, tornando os dois modelos vitais para a consolidação do mercado de crédito digital como ele é hoje. Em meio a números que não param de crescer, o crédito viu ainda um amadurecimento nos últimos anos, principalmente nas leia que regem o setor.
Para Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), em meio a tantas novidades, as transformações na origem do crédito foi uma das que mais se destacou. “Na última década a principal transformação no mercado de crédito se deu na origem e distribuição dos recursos por meio de plataformas digitais. Com o surgimento de marketplaces e fintechs de crédito, a oferta de crédito se tornou mais acessível, customizável e alinhada com as necessidades momentâneas dos clientes, sem que houvesse o aumento de custo, taxas e tarifas”, afirma. Mesmo diante da expansão das fintechs, que rapidamente conquistaram o público com a união entre tecnologia e praticidade, as cooperativas mostraram ser uma força de igual impacto, aumentando não apenas sua presença digital, mas também física.
Através de um modelo que une as facilidades do digital com a proximidade oferecida pelo atendimento presencial, cooperativas ganharam força no imaginário brasileiro, tornam-se uma das principais alternativas para aqueles que queriam uma nova forma de cuidar das suas finanças. Em um cenário competitivo saudável, o setor pôde mostrar ainda mais os seus diferenciais. Para Gustavo Freitas, diretor executivo de Crédito do Sicredi, tal espaço foi conquistado através dos princípios que regem o movimento e que fizeram o movimento olhar para o crédito por outro ângulo. “Temos consciência da importância do crédito como instrumento para impulsionar a realização dos sonhos das pessoas. Crescemos de forma consistente na concessão de crédito para os associados, mesmo em momentos mais desafiadores ao longo dos últimos anos. Esse desempenho está associado a forte proximidade com as comunidades, construída através de relacionamentos duradouros e muito conectados as cadeias de valor locais, com o conhecimento das regiões e suas principais características”, explica.
Mais crédito, para mais sonhos
Com tamanha movimentação de crédito, a economia brasileira viu – mesmo durante a pandemia – uma mudança nos hábitos do consumidor, principalmente diante de ferramentas que deram mais autonomia nas decisões econômicas pessoais, como o PIX e o open finance. Em resultado disso, fintechs ganharam ainda mais participação, enquanto as cooperativas rapidamente adotaram tais ferramentas, incorporando-as à dinâmica de atuação, aumentando o repertório de produtos e a capacidade de suprir todas as necessidades do cooperado.
Contudo, os juros altos e inadimplência trouxe uma nova dinâmica para o mercado, e a oferta de crédito digital passou a adotar novas variáveis, de forma a garantir um Sistema Financeiro Nacional saudável, impactando positivamente na vida do cooperado. Para Gustavo, as cooperativas souberam navegar de forma exemplar tal momento, e pavimentaram um caminho onde a oferta de crédito atende as reais necessidades do cooperado. “Contextos como o atual impõem maiores desafios para famílias, empresas e comunidades, especialmente pelo aumento de custos e redução da capacidade de compra, implicando assim em um ciclo de aumento nos patamares de endividamento e da inadimplência. Entender o momento é fundamental, o que envolve calibrar os modelos e políticas de concessão dentro da capacidade, mantendo-se próximas e atuantes nas comunidades para superar o período de maior desafio”, comenta
Com um atendimento personalizado, elas ganham participação de mercado ao trazerem uma nova dinâmica para a relação entre o cooperado e o crédito que ele está buscando. Neste dinâmica, o crédito digital deixou de ser apenas um produto, para ser um viabilizador de uma vida mais tranquila para aqueles que o buscam.
Próximos passos
Com a retomada da economia, os próximos anos trazem grandes possibilidades para as instituições financeiras cooperativas, com o crédito digital ganhando força, principalmente através de players que atuem de forma mais próxima ao cliente e cooperado. Mesmo assim, tal expansão dividirá espaço com alguns desafios, em especial para as fintechs e o processo de financiamento (funding), que exigirá do setor soluções rápidas e efetivas. “Teremos uma “enxugada” no funding disponível para fintechs. Contudo, em momento de adversidades, as fintechs costumam desenvolver produtores inovadores, que trazem soluções reais, mesmo com pouco recurso. Por isso, produtos inovadores não devem parar de surgir e teremos um terreno fértil para inovações”, destaca.
Além disso, desdobramentos externos questionam a sustentabilidade do sistema de crédito no longo prazo, criando ainda um sentimento de incerteza sobre a disponibilidade de crédito diante da demanda. Contudo, para Perez, mudanças internas já foram responsáveis por tornar o mercado de crédito brasileiro mais sólido, colocando em xeque a dúvida sobre a disponibilidade de crédito futura. “Entendo que não há risco de baixa oferta de crédito no Brasil, já que os reguladores dos mercados financeiros e de capitais revisaram seus arcabouços regulatórios recentemente para impulsionar a utilização de novos entrantes e o desenvolvimento de novos produtos”, explica.
A consolidação dos players detentores de recursos passa ainda por um movimento de união de setores até então concorrentes, que através de parcerias buscam modernizar os processos já oferecidos, de forma que o cooperado e cliente seja o principal beneficiário de tais mudanças. Para Perez, tal configuração muda a lógica comum da competição, trazendo uma cooperação entre fintechs e cooperativas, em prol de um bem maior. “Entendo que fintechs e cooperativas não dividem espaço, mas sim multiplicam oportunidades, já que colaboram entre si de maneira simbiótica. Muitas cooperativas de crédito possuem fintechs como parceiros de tecnologia e digitalização de sua infraestrutura operacional e, também, muitas fintechs se aliam às cooperativas de crédito para originar clientes e entregar uma experiência digital para o contratante do crédito”, destaca.
Apesar dos números comprovarem a força do setor, é fato que a participação das cooperativas no contexto do crédito digital pode e deve aumentar nos próximos anos. Para isso, não apenas basta a oferte de melhores produtos e experiências, mas também um esforço do setor em mostrar para o grande público, os benefícios e oportunidades trazidos pelas cooperativas. “Quanto mais as pessoas conhecem o cooperativismo, melhor entendem esse ciclo virtuoso. Para acelerarmos essa jornada, é importante comunicarmos mais e ajudarmos a popularizar o modelo, especialmente os seus diferenciais e benefícios à sociedade. Temos nos dedicado em ampliar as soluções disponíveis e aprimorar nosso atendimento aos associados, a razão da nossa existência”, destaca.
Sejam quais forem os métodos e caminhos encontrados pelas cooperativas e fintechs, fato é que no final da linha, o principal beneficiado será o cliente, que terá à sua disposição novas possibilidades. No diálogo entre os diferentes players, o crédito digital brasileiro tem potencial para se tornar o principal injetor de recursos na economia, resultando em mais negócios, oportunidades e desenvolvimento social. Ao analisar o conjunto completo, Perez faz uma análise positiva, mesmo diante dos desafios ainda presentes. Contudo, é fato que a adição de novas origens para os recursos, criarão um crédito mais acessível, trazendo um desenvolvimento descentralizado e democrático. “A simbiose entre cooperativas de crédito e fintechs deve fortalecer o cenário de crédito para o brasileiro, resultando em produtos mais baratos e acessíveis, de uma forma eficiente. Com isso, devemos ter um mercado de crédito mais diverso e disponível, fazendo com que um player se apoie no outro, diluindo a concentração bancária ainda presente no país”, finaliza.
Por Leonardo César – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 111
Discussão sobre post