Em destaque no cenário mundial, o carbono vem se firmando como uma nova oportunidade para o mercado e para as cooperativas
Há décadas somos alertados sobre os impactos da atividade humana. Com uma superpopulação, o meio ambiente vem sentindo com mais frequência nossas decisões diárias. Mas ainda há tempo para corrigir este cenário – ou amenizá-lo.
A prova da mudança de posição da sociedade pode ser vista no mercado, que nos últimos anos tem buscado soluções para diminuir os impactos no meio ambiente. A agenda ESG soma-se a esse contexto, com um conjunto de práticas que buscam uma economia mais sustentável. Além disso, nos últimos meses uma nova ferramenta tem chamado a atenção, e foi protagonista na COP26, realizada em Glasgow, na Escócia. O protagonista do momento, é o mercado de carbono.
Momento de transição
Finalmente regulamentado na COP26, o mercado de carbono não é uma novidade. A possibilidade de comprar créditos de carbono para ajudar no cumprimento das metas sustentáveis está diretamente ligada ao Acordo de Paris e ao Protocolo de Quioto, que ajudaram a estabelecer a agenda sustentável que vemos atualmente.
Na prática, buscar as metas de redução de emissão de CO2 se tornou uma oportunidade de lucro. Hoje, uma tonelada de dióxido de carbono equivale a um crédito de carbono, que pode ser negociado no mercado internacional. Para Paulo Zanardi Jr, diretor da GSS – Sustentabilidade e Bioinovação, o mercado de carbono é um importante recurso para alcançarmos os objetivos da agenda mundial, que tem ganhado um caráter emergencial nos últimos anos.
“Com o avanço do aquecimento do nosso planeta e os impactos decorrentes que sentimos no nosso dia a dia, precisamos criar o máximo de instrumentos que nos auxilie na mitigação das emissões de GEE”, afirma. Neste contexto, este novo mercado se firmou como uma ótima oportunidade, funcionando como uma alavanca em um momento de transição. “É possível financiar a transição para uma economia de baixo carbono, incorporando de forma transparente os impactos provocados pelas emissões de GEE aos custos das empresas emissoras. Conforme ocorreu agora na COP em Glasgow, foi importante a criação do novo mercado de carbono mundial. Agora é importante definir suas regras e diretrizes para que cumpra as metas estabelecidas no Acordo de Paris”, Zanardi destaca.
O lugar do Brasil
Sendo o país com a maior camada de florestas do mundo, o Brasil possui em suas mãos uma oportunidade de ouro. Sua área verde o coloca como protagonista neste cenário, realidade que ajudará no desenvolvimento de empresas, organizações e cooperativas que entrem no mercado de carbono nos próximos anos. O potencial neste mercado é excepcional, e estudos já destacam os ganhos do país a partir da entrada efetiva no mercado de carbono.
“O Brasil é o país com maior potencial no mercado de carbono. Segundo estudo recente publicado pelo ICC e realizado pela WayCarbon estima-se um potencial de receitas para o país de até USD 100 bilhões até 2030. Tais créditos tendem a ser principalmente gerados na redução do desmatamento, na recomposição florestal e no aumento do estoque de carbono no solo por meio da agricultura regenerativa e técnicas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta”, destaca Felipe Bittencourt, CEO da WayCarbon.
Mais do que seu potencial econômico, o mercado de carbono funciona como uma importante ferramenta para o país se adequar ao “novo mundo”. Afinal, a natureza e a sociedade clamam por uma economia mais conscientemente sustentável. E este novo mercado, é o atalho para se chegar lá. “Mais do que um número e seu impacto em termos de PIB, trata-se de um recurso substancial que poderá auxiliar o Brasil em sua transição para a economia de baixo carbono. É a chance de sair na frente do mundo nessa agenda e nos diferenciarmos de vez. Quem produzir mais limpo, no futuro terá mais mercado”, Bittencourt completa.
Desbloqueando um potencial
Os sinais de que o Brasil pode se tornar um protagonista do mercado de carbono são evidentes. Mas como desenvolver esse potencial, e desencadear uma mudança significativa no mercado interno? Como em outros contextos, a educação é o primeiro passo. Se quando pequenos somos ensinados a entender os princípios básicos sobre reciclagem e redução de lixo, hoje – como adultos – somos plenamente capazes de entender a necessidade de adotar um hábito de vida mais sustentável. Como indivíduos, sabemos disso. E o mercado também já chegou a essa constatação.
“As empresas brasileiras sabem que fortalecer a agenda da mudança do clima é fundamental para o mundo e, mais do que isso, compreendem os diversos benefícios em termos de competição internacional que podem ser gerados com uma produção mais limpa no país”, nos lembra Felipe Bittencourt, da WayCarbon. Mas do que uma percepção da realidade, o movimento atual do mercado brasileiro é uma resposta direta ao jogo que acontece mundialmente. Traçar ações para mitigar as ações humanas no meio ambiente é necessário, e apenas com articulações internas e externas, é que essa mudança irá acontecer.
E no Brasil, que passa por um delicado momento em relação ao mercado de trabalho, os ganhos com o mercado de carbono são ainda maiores. Para Zanardi, desenvolver este mercado não só trará melhores resultados no relacionamento internacional, como também ajudará a solucionar um problema enraizado no país: o desemprego. “Se o Brasil conseguir fomentar ainda mais esse mercado e explorar essa oportunidade, poderá aliar uma atividade de desenvolvimento sustentável com geração de empregos e renda em regiões de baixo desenvolvimento socioeconômico, além de benefícios como a mitigação do aquecimento global, recuperação da biodiversidade e regulação de chuvas, reduzindo riscos à nossa produção agrícola que dependem do regime de chuvas gerado primariamente por nossas florestas”, ele destaca.
A vez dos produtores e cooperados
O mercado de carbono se relaciona diretamente com um cenário macro. Estamos falando de acordos, protocolos e articulações mundiais, além de metas para países e blocos. Porém, engana-se quem acredita que o pequeno produtor e cooperado não podem se beneficiar desse mercado.
Claro, atuar dentro do mercado de carbono ainda será, majoritariamente, uma atividade dominada por grandes empresas. Porém, as oportunidades estão presentes desde já. A maior barreira, neste contexto, continua a ser o capital envolvido nestes processos – empecilho que se revela o maior de todos neste contexto.
“O mercado é complexo e a geração de créditos envolve uma série de passos entre seguir uma metodologia internacionalmente aceita e aprovações governamentais e certificações independentes. Sendo assim, os custos de transação são ainda elevados o que muitas vezes inviabiliza o desenvolvimento de projetos de carbono para os pequenos negócios”, nos conta Felipe Bittencourt.
Neste cenário, criar iniciativas em conjunto é a chave para entrar neste mercado. Ou seja, no fim – a intercooperação se revela como a resposta. “Os pequenos negócios sempre sofreram no mercado de carbono pois o custo do ciclo de projeto é muito alto e a quantidade de créditos baixa, o que inviabiliza economicamente o projeto. Para ultrapassar essa barreira, muito empresas realizam projetos em conjunto”, destaca Paulo Zanardi.
O futuro pertence às cooperativas
Sendo um momento de transição, ensinar sobre este mercado – como já mencionado anteriormente – será um importante passo para firmar de vez o mercado de carbono como a alternativa para o futuro. E neste momento onde a educação será protagonista, as cooperativas terão a oportunidade de fazer aquilo que fazem de melhor. Através disso, e guiadas pelos princípios que as regem, o cooperativismo cria em si um grande potencial para entrar de vez no mercado de carbono, nos próximos anos.
“As cooperativas efetivamente se preocupam com a educação financeira e com o impacto na comunidade – e aí incluem o impacto social e ambiental. Nesse sentido, elas têm potencial para ser o principal agente para desenvolvimento do mercado de créditos de carbono. Atuando tanto com conscientização, como veículo de acesso a esse mercado. A questão é elas se atentarem para isso e realmente assumirem o papel de protagonismo nesse mercado”, destaca Wankes Leandro, Head de Transformação e Business no Instituto Fenasbac.
Na missão de entrar neste novo mercado, uma readaptação será necessária, e as cooperativas têm potencial para serem condutoras dessa fase de transição, onde serão dados passos que viabilizarão uma economia mais verde. “Podemos dizer que existem três passos que podem ser seguidos por qualquer negócio para se tornar uma “organização green” (que procura reduzir, mitigar ou zerar emissões): o primeiro deles é ter um objetivo e plano formal declarado de transição para a economia verde (economia de baixo carbono), isso envolve, por exemplo, analisar e revisar em toda a sua cadeia produtiva; o segundo é ter um processo formal de mensuração e divulgação das suas emissões para dar transparência ao seu compromisso; o passo final é atuar como agente de transformação, influenciando e educando a comunidade, fornecedores e clientes para também seguirem a mesma jornada”, Wankes explica.
Trazendo um panorama de todo esse cenário, podemos afirmar que o futuro próximo será conduzido pelo mercado de carbono. A mudança para um novo modelo de economia é necessária, e buscar efetivamente formas de se alcançar este cenário é uma preocupação urgente. Para isso, é preciso articular ações que incluam não apenas grandes nomes e organizações, mas também o pequeno produtor e cooperado, que diante de uma economia de baixo carbono, poderá ver sua propriedade se tornar mais sustentável e produtiva. Assim, através de um trabalho em conjunto, é que o futuro mais sustentável deixará de ser um distante sonho, para se tornar uma possível – e próxima – realidade.
Por Leonardo César – Matéria publicada na Revista MundoCoop, edição 103
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