Uma ideia inovadora dificilmente surge como uma lâmpada que se acende sobre a cabeça, como nos desenhos animados. Ela prescinde de reflexão, atenção, sensibilidade, necessita de questionamentos, de diversidade, de pontos de vista distintos para ser lapidada. A inovação é, portanto, um processo colaborativo.
Compreendendo isso, empresas jovens e consolidadas, academia, investidores e outros atores buscam unir interesses e esforços para gerar inovação. Essa conexão acontece nos chamados hubs, locais propícios para esse grupo diverso transformar ideias em produtos e serviços concretos. Hub seria, portanto, um concentrador de organizações que realizam conexões entre si e trocas de informação, de tecnologias etc..
Seja em ambiente virtual, físico ou ambos, os hubs têm entre seus benefícios garantir que inovações cheguem ao mercado de forma ágil, atendendo a uma necessidade ou desejo de determinado público-alvo. “Os hubs são facilitadores da inovação”, resume Luciana Harumi Hashiba, professora e vice-coordenadora do FGVIn, o Centro de Inovação da FGV EAESP.
Um hub pode incluir ou não aceleração de negócios, mas sempre oferecem condições para que as ideias sejam trabalhadas e as inovações possam ganhar vida de forma célere e assertiva. Cientes disso, as cooperativas têm buscado, nesses espaços de conexão, promover as soluções inovadoras de que seus cooperados necessitam. Dessa forma, ganham tanto as instituições e startups, em dar vida a suas ideias, testar e aperfeiçoar seus produtos ou serviços, quanto o cooperativismo, que se torna ainda mais competitivo e sustentável.
COOPERATIVISMO É POLO DE INOVAÇÃO
A inovação deriva de um processo de amadurecimento de ideias que envolve pessoas em colaboração, compartilhando conhecimentos, aprendizados, ensina Steven Johnson, semioticista norte-americano, pesquisador e um dos maiores especialistas em inovação. Em seus mais de 20 anos de pesquisa sobre inovações, ele identificou os padrões que levaram a gerar ideias transformadoras, eles envolvem saber o valor de uma intuição e compreender que ela precisa ser revista ao longo do tempo, a busca por uma ideia deve ser em conjunto, e a diversidade nesse grupo de pessoas em colaboração em torno do desenvolvimento da ideia ajuda a identificar e aparar as arestas no processo de inovação. Uma ideia inovadora precisa também ser defendida como uma inovação de fato para seja capaz de provocar transformação.
O cooperativismo figura como um importante polo para busca de ideias e disseminação de inovação. Suas características natas, que unem pessoas em torno de um objetivo comum, facilitam todo esse movimento de desenvolvimento de hubs voltados à inovação. É possível se identificar exemplos de hubs de inovação promovidos ou integrados por cooperativas em distintas regiões do país e em diferentes setores de atuação. Segundo pesquisa da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) que avaliou a inovação no cooperativismo, mais de 80% das cooperativas acredita ser importante inovar para gerar competitividade, e reconhecem que podem melhorar suas ações nesse sentido.
O Brasil tem ainda mais a evoluir em inovação. Atualmente ocupa o 54º lugar em inovação entre 132 economias mundiais, segundo o ranking do Índice Global de Inovação (IGI), que mede o desempenho dos ecossistemas da inovação de países e identifica as tendências mais recentes no mundo em inovação. O ranking é divulgado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês) em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
UM HUB DE INOVAÇÃO COMEÇA POR ESTABELECER OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS
Definições estruturadas são essenciais para a criação de um hub de inovação. O que se almeja com o hub, qual seu propósito, como será o funcionamento, missão e visão, fontes de recursos para manutenção e limites da relação entre os integrantes são alguns dos pontos basilares que precisam estar claros a todos os envolvidos, para que o grupo possa discutir as estratégias para se alcançar as metas almejadas de forma sustentada e gradativa. E também é fundamental para atrair os diversos atores relevantes do ecossistema de atuação, movimento chamado adensamento.
Uma governança clara e agilidade nas decisões fazem diferença para viabilizar a jornada de desenvolvimento da solução. “A aceleração não é ter pressa, é ser ágil em relação ao que se determina. E estar preparado para aquele problema que possa surgir lá na frente é o mais importante”, comenta Luciana Harumi Hashiba.
O Brasil é vasto, e suporta mais de um hub do mesmo setor. Mas, é interessante que esses hubs também se conectem de alguma forma, e “se entendam como parceiros, não como concorrentes, isso é importante para inovação”, pontua a professora.
COOPERATIVA DISSEMINA INOVAÇÃO
Há quatro anos uma ideia ganhava forma na Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana): o Avance Hub. Contemplado no planejamento estratégico da cooperativa, o hub de inovação foi criado para conectar à cooperativa empresas, startups, academia e instituições de pesquisa em busca do desenvolvimento de produtos e serviços inovadores que atendam a demanda de seus cooperados.
Cada demanda captada dos cooperados (seja por entrevistas, encontros, formulários entre outros) é uma oportunidade de inovação. “Traduzimos essas demandas e vamos ao mercado buscar soluções, alinhamos, ajustamos e as entregamos em forma de produtos ou serviços aos cooperados”, descreve Klever Coral, superintendente de Inovação do Avance Hub.
Dez produtos e serviços já estão disponíveis e podem ser contratados pelos cooperados por meio de uma vitrine virtual, no site do hub. Cerca de 10% dos cooperados já utilizam algum desses produtos e serviços, número que cresce a cada ano, garante Coral. Além desse portfólio, outros projetos também nasceram no hub, como o Núcleo Jovem Coplacana, que foca sucessão no campo, e o Vale do Mirtilo, um modelo de negócios que fomenta a implantação da cultura.
Questões de governança, sociais e ambientais precisam ser evidenciadas no conceito do hub, na visão de Coral, para controle, sustentabilidade e assertividade nas ações. E é preciso que a alta direção apoie a iniciativa, que se destine recursos financeiros e humanos específicos para isso. Quanto antes as pessoas forem estimuladas a desenvolver um pensamento inovador, melhores ideias tendem a surgir. “O hub tem que ter uma vida, pessoas dedicadas e é bom até que não esteja no ambiente da matriz da cooperativa, para sair da zona de conforto e conseguir agilizar, desburocratizar, desenvolver serviços e produtos para a cooperativa”, pondera.
O Avance Hub trabalha com modelo de open innovation, junto a ecossistemas. As soluções tecnológicas apresentadas às demandas identificadas devem estar preferencialmente nas fases finais de desenvolvimento e precisam passar por uma jornada de validação, seja no espaço da Coplacana, na propriedade de algum cooperado ou outros centros de pesquisa. Sendo aprovadas, são incluídas no portfólio comercial da cooperativa. Entendendo que os desafios são semelhantes às cooperativas do setor, Coral acredita que essa validação pode fomentar a intercooperação e difusão de soluções tecnológicas eficientes.
“O hub tem que ter vida nas cooperativas, tem que ser oxigenado com produtos e mentalidade de ambientes externos, para trazer para as cooperativas a mudança, tirar da zona de conforto e gerar inovação” – Klever Coral, superintendente de Inovação do Avance Hub
OESTE DO PARANÁ GANHA IMPULSO NA INOVAÇÃO
Desde 2019 a Coopavel passa por um processo de inovação, iniciado com gestores de áreas estratégicas e que hoje já se ramificou pelo organograma da cooperativa. As discussões do comitê de inovação definiram objetivos, diretrizes e funções da área de inovação que foram o alicerce de programas para disseminar a inovação. No ano passado, um setor específico assumiu a gestão desses programas e impulsionou a criação de um hub, o Espaço Impulso. “O setor de inovação da Coopavel tem dois olhares, um para os projetos internos que atendem nossas indústrias filiais e departamentos, e um olhar externo, para a inovação aberta. Aí entra o Espaço Impulso, validando as soluções”, explica Kleberson Angelossi, gerente de Inovação da Coopavel.
O Espaço Impulso atua em parceria com o Parque Tecnológico de Itaipu e Exohub, para a viabilização de um ambiente favorável para que empresas e startups possam desenvolver e testar soluções inovadoras voltadas ao agronegócio. A cooperativa dispõe de 72 hectares para a realização de testes em campo das inovações, além de um ambiente de trabalho com 400 metros quadrados onde as ideias tomam forma e ganham vida.
Entre as inovações que estão sendo desenvolvidas por meio do hub estão soluções em pulverização de lavouras com drones, em suplementação luminosa de plantas através de pivôs, em controle de ambiência em aviário e em manejo pré-abate de aves. “E o Show Rural Coopavel é a vitrine que leva para nosso cooperado essas novas tecnologias”, comenta Angelossi.
A próxima edição do evento, que acontece em fevereiro, promete trazer as novidades fomentadas pelo hub para que os produtores visualizem na prática os resultados e possam implementá-las em seus negócios. “A função do hub é fazer essa conexão por meio de validação de soluções e demonstração de tecnologias”, frisa Angelossi.
INSPIRAÇÃO AO COOPERATIVISMO EM TODO O ESTADO
As cooperativas goianas têm à disposição uma importante ferramenta para a inovação, o hub do Sistema OCB/GO, o Inovacoop Goiás. Ele oferece estrutura, promove conhecimento às cooperativas e estímulo a empresas, startups e demais atores para a concretização de conexões com o intuito de lapidar ideias e gerar inovação.
“Estamos começando a trilhar um caminho que pode nos levar a ser um polo importante de inovação no futuro”, diz Luís Alberto Pereira, presidente do Sistema OCB/GO. “O cooperativismo, como negócio que compete no mercado, não pode prescindir da inovação sob risco de vir a perecer ou tornar-se ultrapassado. Mas, isso não significa que tenha de abdicar de seus valores e princípios”, completa.
O Inovacoop Goiás realiza diversas iniciativas como meetups, hackathons, desafios, atividades de imersão em ambientes de inovação entre outras, sob o modelo de inovação aberta. Um exemplo é a maratona de inovação GO!Coop, direcionada a colaboradores e dirigentes de cooperativas goianas, que premiou, com a incubação e o desenvolvimento de suas soluções, projetos de quatro times participantes.
“Temos uma coordenação específica de inovação no Sistema OCB/GO, que está sempre atenta e participando do que acontece no setor, compartilhando com nossas cooperativas”, acrescenta Pereira. As ações promovidas pelo hub têm apresentado soluções úteis às cooperativas, garante. E seguem em expansão. Recentemente o hub firmou parceria com o Sebrae/GO e cerca de R$ 1 milhão deve ser aplicado em novas ações e projetos de inovação.
Pereira avalia que antes de se buscar parcerias e integrar um hub de inovação, é importante a cooperativa trabalhar internamente o pensamento inovador. Estimular um ambiente para novas ideias, tolerando os insucessos e apoiando os projetos viáveis são passos fundamentais. A troca conhecimento e experiências em grupos e fóruns de inovação também é uma estratégia relevante. A inovação envolve essa mudança de mentalidade, cujos aspectos mais importantes nesse percurso, para ele, são o relacionamento, a troca de experiências e a abertura para o novo.
“Com o nosso hub de inovação, estamos trabalhando para inspirar as cooperativas goianas a pensarem em inovação em seu ambiente de trabalho e produção” – Luís Alberto Pereira, presidente do Sistema OCB/GO
Por Nara Chiquetti– Matéria publicada na edição 108 da Revista MundoCoop
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