Não restam mais dúvidas de que, organizações que almejam melhorar a sua produtividade, estratégias de competitividade e soluções criativas nos próximos anos precisam pensar em novas propostas, políticas e programas direcionados à saúde mental de seus colaboradores.
Houve progresso na conscientização sobre o assunto e a expectativa é que 2025 traga a adoção de políticas concretas, como flexibilidade no trabalho e acesso ampliado a recursos de apoio psicológico. A importância de se investir mais nesse tema está em, ao incorporar o cuidado emocional como parte da cultura cooperativa, fortalecer não apenas o bem-estar dos cooperados, mas também a coesão e a capacidade de adaptação da organização diante dos desafios do mercado.
A neurociência reforça que o ambiente organizacional pode moldar positivamente o comportamento humano. Portanto, criar programas que impactem positivamente a saúde mental não é apenas uma responsabilidade social, mas também uma estratégia inteligente para as organizações. “As cooperativas e empresas devem investir cada vez mais em saúde mental de maneira contínua e estruturada. Se fizerem isso, elas terão chances de proporcionar um ambiente de trabalho mais saudável, produtivo e colaborativo”, reflete Aline Graffiette, psicóloga clínica, neuropsicóloga e CEO da Mental One.
Um relatório feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a OMS constatou que mais de 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente em decorrência dos problemas de saúde mental. Isso custa à economia global quase US$1 trilhão. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 86% dos brasileiros têm algum transtorno mental, como ansiedade e depressão. O país também ocupa o segundo lugar no ranking mundial de países com mais casos da doença, perdendo apenas para o Japão, de acordo com o relatório da International Stress Management Association (Isma-BR – 2021). Ainda, em 2023, o Ministério da Previdência Social concedeu 288.865 benefícios por incapacidade, com base em transtornos mentais e comportamentais, 38% a mais do que em 2022, quando foram registrados 209.124.
Outro problema enfrentado pelas empresas e instituições são os altos índices da síndrome de burnout, que segundo um levantamento feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afeta um em cada quatro brasileiros. Ricardo Triana, diretor executivo da Project Management Institute América Latina (PMI) diz que sem saúde mental, física e emocional não existem bons resultados e crescimento nas organizações. Ele sugere a verificação constante dos níveis de estresse da equipe, adoção de ferramentas tecnológicas e a construção de uma mentalidade resiliente.
A SAÚDE MENTAL E AS COOPERATIVAS
No caso das cooperativas, a saúde mental dos colaboradores entra como um protagonista no sucesso de suas atuações. Isso ocorre porque os cooperados frequentemente lidam com desafios que vão desde a diversidade de formação até o gerenciamento de tensões emocionais, o que pode afetar diretamente sua performance e o clima organizacional. “As organizações com estrutura colaborativa e participativa exigem um alto grau de resiliência e tomada de decisão conjunta, o que torna o cuidado com a saúde mental ainda mais relevante”, conta Graffiette.
A especialista explica que quando a saúde é negligenciada, pode causar estresse, burnout e outros problemas emocionais comprometedores da comunicação e eficiência da cooperativa. Ao investir no tema, a organização não só apoia seus membros individualmente, mas os fortalece na base.
Com o crescente investimento e reconhecimento da sua importância, muitas cooperativas desempenham iniciativas pontuais, como palestras e campanhas. Entretanto, é a busca por um abordagem integrada à cultura organizacional que será cada vez mais decisiva daqui para a frente.
Para que o impacto de ações seja real e duradouro, é necessário que se integre políticas de saúde mental ao planejamento estratégico, estabelecendo ações de cuidado psicológico que envolvam todas as áreas. “O trabalho com a saúde mental nas cooperativas precisa ser contínuo. Isso inclui a implementação de treinamentos sobre inteligência emocional, programas de prevenção ao estresse, mindfulness, e o apoio psicológico regular aos cooperados”, indica Graffiette.
A evolução nas abordagens de gestão de pessoas, que agora inclui a saúde mental como parte essencial do bem-estar organizacional, indica um caminho promissor no futuro. O reconhecimento crescente de seus impactos no dia a dia dos profissionais tem sido um avanço significativo. “No entanto, a superação de estigmas relacionados ao cuidado psicológico ainda é um desafio, assim como a necessidade de formar profissionais mais capacitados para lidar com as especificidades das cooperativas”, indica a CEO da Mental One.
Não é possível investir em saúde mental nas organizações, sem que as lideranças estejam bem e se sintam saudáveis nos ambientes em que trabalham. Inclusive, elas são fundamentais para a implementação de uma cultura saudável, por isso devem ser as primeiras a investir no autoconhecimento e a cultivar sua própria saúde emocional. “Os líderes devem criar um ambiente de trabalho seguro, com canais de comunicação abertos, que incentivem a expressão de emoções e a busca de ajuda quando necessário. Somente com uma liderança que valorize e invista no bem-estar dos cooperados, as cooperativas poderão estabelecer o autocuidado e a colaboração genuína”, aconselha Aline.
DE SUPORTE PSICOLÓGICO ÀS SALAS DE DESCOMPRESSÃO
Nos últimos anos, houve um grande avanço na conscientização sobre a importância da saúde mental nas cooperativas, especialmente após a pandemia, que expôs a vulnerabilidade emocional dos trabalhadores. Um exemplo disso é o surgimentos de vários programas e incentivos aos cuidados com os colaboradores.
Na Unimed Sul Capixaba, a escolha foi investir no Núcleo de Assistência Integrada ao Colaborador (Naice), criado em 2019 e em atividade a partir de 2020. Com o foco na saúde mental dos colaboradores, a iniciativa proporciona o acolhimento e suporte emocional, abordando práticas de saúde emocional comprometidas com o bem-estar e a humanização. O Núcleo realiza ações itinerantes nos setores, cria pequenas pausas e reflexão de bem-estar, além de lives com equipe multidisciplinar. Dentro do projeto, a cooperativa também instalou um espaço de descompressão, com sala de descanso, televisões, biblioteca e até videogame.
A Sicredi Vale do Piquiri Abcd PR/SP , por sua vez, criou o programa Juntos pela Vida, no YouTube e Facebook, aberto a todo o público, que envolve ações variadas sobre a saúde mental. No projeto são tratados assuntos como a valorização da vida, a felicidade e o combate à depressão, uma das principais causas do suicídio. Para complementar, a cooperativa oferece ainda o canal interno Sempre Bem, voltado exclusivamente para ajuda e aconselhamento psicológico aos colaboradores.
As cooperativas de crédito do Sistema Ailos têm voltado suas atenções à saúde dos funcionários intensificando ações, iniciativas e propostas para melhorar as suas qualidades de vida. Uma delas, a Viacredi, conta com um suporte psicológico online destinado aos seus colaboradores e cooperados.
A Unimed Campinas tem como um de seus projetos voltados à comunidade em geral, o “Saúde Toda Vida”, criado há 25 anos, destinado a pessoas de 55+, com o objetivo de promover o bem-estar físico, e mental e a inclusão social, por meio de diversas atividades sociais, físicas, culturais, estímulo cognitivo e de lazer.
Além disso, neste ano, mais de 100 profissionais de 45 cooperativas paranaenses de diferentes ramos participaram do Fórum de Saúde Mental promovido pelo Sistema Ocepar, por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Paraná (Sescoop/PR), em parceria com a Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD/PR).
COM O FOCO NA MENTE
Agregando a esses importantes exemplos, a Cresol têm investido na orientação das equipes, oferecendo planos de saúde, programas psicológicos, capacitação de gestores para reconhecer e lidar com questões emocionais e outras ações que promovam o bem-estar físico e mental. “A ideia é que os colaboradores se sintam apoiados e engajados para que esse sentimento reflita em um atendimento de qualidade. Fomentamos um ambiente de comunicação aberta com mais empatia”, conta Cledir Magri, presidente da Cresol.
A cooperativa considera que o cuidado com a saúde mental dos colaboradores é primordial na garantia de um ambiente de trabalho saudável e produtivo. E, para estimular ainda mais esse processo, a organização aderiu ao Movimento Mente em Foco, do Pacto Global da ONU, o que a coloca comprometida no combate ao estigma e ao preconceito acerca da saúde mental. “Entendemos que funcionários mentalmente saudáveis são mais engajados, resilientes e capazes de inovar, o que fortalece a cooperativa como um todo. O papel do líder é fundamental para criar um ambiente seguro e aberto na discussão da saúde mental. Por isso, estimulamos na liderança o autocuidado, fortalecendo a cultura e a relação de confiança entre todos”, completa Cledir.
Mais do que oferecer programas, o objetivo da cooperativa é trabalhar este tema de forma preventiva e humanizada, fazendo os benefícios chegarem a todos os colaboradores e até mesmo aos seus familiares.
Complementando, o presidente da Cresol relata que o cenário tende a ser mais positivo em 2025, pois a saúde mental está sendo cada vez mais reconhecida como um pilar fundamental para o sucesso das empresas. “Queremos um ambiente de trabalho mais empático, colaborativo e produtivo, e isso somente acontecerá quando cuidarmos do ser humano. Quando agimos nesse sentido, também contribuímos para tornar o tema mais acessível, promovendo uma prática de cuidado e apoio contínuos”, finaliza Magri.
SAÚDE MENTAL COM O PLAYFULNESS
As cooperativas podem incentivar o playfulness ou “espírito lúdico” entre seus colaboradores para melhorarem a saúde mental. Lucas Freire, escritor, professor, palestrante dedicado à Psicologia Positiva e à Ciência do Playfulness explica que essa prática pode ser introduzida, por meio de uma ampla gama de iniciativas que vão além do convencional, criando um ambiente onde a criatividade e o bem-estar prosperem. Algumas práticas incluem:
1. Dinâmicas Colaborativas e Interativas: Pode realizar jogos corporativos voltados à resolução criativa de problemas ou à construção de confiança entre os membros da equipe. Uma dica é introduzir desafios gamificados em metas ou projetos para aumentar o engajamento e despertar o senso de conquista.
2. Espaços de Conexão e Inovação: A cooperativa pode criar “horas do café” estruturadas, onde os colaboradores discutam ideias ou desafios em um ambiente informal e descontraído. Também pode promover hackathons internos, onde diferentes equipes colaboram em soluções inovadoras para desafios reais da organização.
3. Incentivo ao Movimento e ao Corpo: A ideia é implementar pausas ativas com práticas lúdicas, como danças rápidas, yoga divertida ou caminhadas criativas para aliviar tensões. Também pode oferecer oficinas de expressão corporal para ajudar os colaboradores a liberarem emoções e desenvolver presença.
4. Cultura do Reconhecimento Positivo: O objetivo é criar “murais de celebração” digitais ou físicos onde os colaboradores possam reconhecer as conquistas uns dos outros de forma criativa e divertida. A cooperativa pode organizar momentos de celebração inesperados, como mini eventos temáticos ou competições amigáveis.
5. Rituais de Transição e Pausa: A cooperativa pode criar rituais diários, como momentos de reflexão no início ou fim do dia, com atividades curtas que promovam desconexão saudável e foco. Também pode introduzir práticas semanais de “descompressão coletiva”, onde as equipes se reúnem para atividades descontraídas, como debates sobre livros, filmes e hobbies.
6. Incorporação da Natureza: Organizar encontros ao ar livre, como “workshops na natureza” ou dinâmicas de team building em parques. Também pode-se criar espaços verdes nos ambientes internos, onde as pessoas possam relaxar, brincar ou se reconectar com a energia do ambiente natural.
Por Priscila de Paula – Redação MundoCoop