À medida que nos aproximamos do prazo final estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os diferentes setores econômicos brasileiros veem aumentar significativamente os desafios relacionados a essas metas. Em seis anos será preciso trabalhar muito para cumprir o compromisso global em questões urgentes, como pobreza, desigualdade e mudanças climáticas.
O papel das cooperativas brasileiras se destaca na busca por um futuro mais igualitário, inclusivo e sustentável. Apesar dos desafios, a integração dos ODS nas estratégias do sistema cooperado demonstra um compromisso com a transformação social e ambiental, refletindo o potencial transformador do cooperativismo no Brasil e sua contribuição para a realização da Agenda 2030.
Débora Ingrisano, gerente de Desenvolvimento de Cooperativas da Organização das Cooperativas Brasileiras (Sistema OCB), ressalta essa relação com as iniciativas promovidas durante as campanhas do Dia de Cooperar (Dia C). “As ações voluntárias realizadas durante o Dia C têm como propósito principal promover iniciativas de responsabilidade social nas comunidades em que as cooperativas estão presentes”, afirma Débora. De acordo com a gerente da OCB, os resultados do Dia C em 2023 foram expressivos em nível nacional, beneficiando cerca de 3 milhões de pessoas por meio de iniciativas realizadas pelas 1.091 cooperativas participantes. Houve um aumento de 17% no número de iniciativas em comparação com o ano anterior. O número de voluntários envolvidos cresceu significativamente, com um aumento de 41,3% em relação ao ano anterior. Além disso, houve um aumento de 22% no número de municípios brasileiros que receberam pelo menos uma iniciativa da campanha.
Em relação à vinculação entre as iniciativas do Dia C e os ODS, Débora Ingrisano afirma que os cinco ODS mais contemplados nas ações das cooperativas brasileiras nos últimos dois anos foram: Saúde e Bem-Estar (ODS 3), Educação de Qualidade (ODS 4), Redução das Desigualdades (ODS 10), Erradicação da Pobreza (ODS 1) e Fome Zero e Agricultura Sustentável (ODS 2). Mas ressalta que, durante a campanha, todas as metas dos 17 ODS foram contempladas. De acordo com a gerente, o aumento no número de iniciativas, voluntários envolvidos e municípios impactados demonstra o engajamento crescente das cooperativas brasileiras com os ODS.
Eliane Lourenço Goulart Festa, coordenadora de Cooperativismo GDH – Cooperativismo do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Sistema Ocepar), reforça a “existência dessa harmonia natural” entre as práticas cooperativistas e os objetivos da ONU. Para Eliane, as cooperativas, pela sua natureza coletiva, têm promovido a inclusão de pequenos produtores em mercados desafiadores, contribuindo assim para o desenvolvimento sustentável.
De acordo com Eliane, desde o surgimento da Agenda 2030, muitas cooperativas paranaenses identificaram práticas já alinhadas com seus princípios. “Há uma conscientização crescente das cooperativas, que passaram a classificar e divulgar melhor suas iniciativas alinhadas aos 17 objetivos. A assistência técnica cooperativa, já presente nas práticas, ganhou destaque, impactando positivamente na qualidade, produtividade e inovação, alinhando-se a diversas metas dos ODS”, diz a representante da Ocepar.
Vale reforçar que a ONU definiu que 2025 será o Ano Internacional das Cooperativas.
Correções sociais
Leonel Leal Neto, coordenador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) na Bahia, enfatiza que a implementação da Agenda 2030 é crucial para corrigir as graves assimetrias sociais, tanto entre povos quanto dentro dos próprios países. No contexto brasileiro, Leal ressalta as desigualdades regionais e de gênero como áreas críticas que precisam ser abordadas. “Ainda há uma grande fragilidade em relação às mulheres, com restrições de acesso a recursos e oportunidades. Além disso, é preciso ficar claro à sociedade a importância do uso eficiente de recursos naturais, como energias renováveis e água.”
O coordenador do Pnud afirma que as cooperativas que incorporam os ODS em suas práticas comerciais podem colher diversos benefícios. Isso inclui aumento nas vendas de produtos com maior valor agregado, acesso a novos mercados, possibilidade de adquirir insumos em escala e potencial redução de custos. Ele destaca que as cooperativas que adotam a Agenda 2030 têm a oportunidade de aumentar seu faturamento e rentabilidade de forma direta.
Débora Ingrisano, da OCB, reforça a posição do Pnud e diz acreditar que o cooperativismo brasileiro desempenha um papel significativo no cumprimento dos 17 ODS e, consequentemente, na realização da Agenda 2030 no Brasil. A gerente destacou a importância de atuar em programas voltados para impacto social, especialmente diante das discussões relacionadas à agenda ESG (Ambiental, Social e Governança). Essas ações não apenas contribuem para a competitividade e perenidade dos negócios, mas também têm um impacto direto nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Exemplos
É sabido que a Agenda 2030 é uma espécie de um apanhado de metas, norteadores e perspectivas definidos pela ONU para os países atingirem a dignidade e a qualidade de vida para todos os seres humanos do planeta, sem comprometer o meio ambiente, e, consequentemente, as gerações futuras. De acordo com Marta Auer, especialista em Compliance da Frísia Cooperativa Agroindustrial, que tem sede em Carambeí, na região dos Campos Gerais, o grupo publicou em 2022 o seu primeiro Relatório de Sustentabilidade. Mas para chegar à elaboração do documento em linha com os melhores padrões internacionais, Marta conta que a Frísia desenvolveu um estudo para compreender melhor as oportunidades e desafios da cooperativa no curto, médio e longo prazo. “Definimos assim, nossos temas materiais, ou seja, aqueles de maior relevância para o negócio e, consequentemente, para nosso quadro social, consolidados por meio de uma metodologia, descrita no referido relatório”, conta a especialista. “Adicionalmente, identificamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, dentre os 17 fixados pela ONU até 2030, que podem ser potencializados a partir das ações implementadas em nossa estratégia de sustentabilidade.” Em 2022, a Frísia publicou a sua Política de Sustentabilidade. O documento define as atribuições e seus respectivos responsáveis, em cada instância, garantindo a execução eficaz da estratégia de sustentabilidade da cooperativa.
Segundo Camila Carolina Veiga Rosetim, analista de sustentabilidade da Cocamar, cooperativa com sede em Maringá, no Norte do Paraná, a empresa participa desde 2020 do Pacto Global, reforçando seu compromisso com a agenda mundial de sustentabilidade. A Cocamar é certificada com selo Ouro, concedido pelo município de Maringá, há três anos consecutivos. “Priorizando quatro ODS, a Cocamar, por meio de projetos como transferência de tecnologia e campanhas de arrecadação de alimentos, evidencia seu esforço em áreas como agricultura sustentável, inovação e infraestrutura”, alega Camila. “O compromisso da Cocamar é não apenas garantir o futuro do negócio, mas também o bem-estar das próximas gerações e a importância de mostrar esse comprometimento aos cooperados.”
O Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), considerado a primeira instituição financeira cooperativa da América Latina, virou membro do Pacto Global em 2020 e desde aquela época, segundo informações da empresa, começou a inserir os princípios iniciativa proposta pela Organização das Nações Unidas e os ODS na sua estratégia de sustentabilidade. “Acreditamos na geração de impacto positivo para nossos associados e comunidades a partir das nossas soluções financeiras e não financeiras. Através das iniciativas de todas as cooperativas que compõem o Sicredi, nós ajudamos a impactar positivamente todos os 17 ODS”, diz a nota encaminhada à reportagem pela instituição.
De acordo com os números prévios do Relatório de Sustentabilidade do Sicredi de 2023, a carteira relacionada à Economia Verde atingiu R$ 56,9 bilhões, com destaque para o fomento de micro, pequenas e médias empresas lideradas por mulheres (R$ 16,4 bilhões), produção rural familiar (R$ 14,3 bi), agricultura de baixo carbono (R$ 8,3 bilhões) e energia renovável com um saldo de R$ 5,8 bilhões. “Além das soluções financeiras, que são o core do Sicredi, ou seja, o meio através do qual atingimos nosso objetivo social, também contamos com diversos programas educacionais e sociais para apoiar no desenvolvimento das nossas comunidades. Só para se ter uma ideia, nosso investimento social médio anual, realizados através de nossas cooperativas em todo o Brasil tem sido de aproximadamente R$ 300 milhões”, informa a instituição.
Diferenças regionais
Para Arilton Freres, sociólogo e diretor do Instituto Opinião, a Agenda 2030 deve ser encarada como uma necessidade imperativa para construir uma sociedade mais igualitária e sustentável. Freres destaca que os brasileiros enfrentam dificuldades para compreender e adotar essa agenda devido às desigualdades sociais e à história do país, mas enfatiza a importância de enfrentar esses desafios de frente.
Freres observa que, embora algumas regiões do Brasil, como o Paraná, tenham uma agricultura avançada, outras áreas estão distantes de seguir essa agenda. Ele destaca a necessidade de buscar um equilíbrio e de adaptar-se gradualmente a esse novo desafio que é característico do nosso tempo.
“O Brasil e sua sociedade precisam se engajar de forma mais significativa com os objetivos e metas da Agenda 2030, reconhecendo que a implementação dessas políticas é essencial para um futuro sustentável e justo”, afirma o sociólogo.
Essas diferenças regionais no país são reforçadas por Cergio Tecchio, presidente da Organização das Cooperativas da Bahia (OCEB). “A Bahia é um estado rico em diversidade e oportunidades, mas também enfrenta desafios significativos, como a persistência da pobreza e escassez de recursos. Nesse cenário, o desenvolvimento sustentável emerge como uma palavra-chave essencial. Compreender que o progresso verdadeiro requer equilíbrio entre crescimento econômico, preservação ambiental e bem-estar social é fundamental”, diz Tecchio. “As cooperativas desempenham um papel vital como agentes de mudança nesse processo. Elas não operam isoladamente, mas sim em um contexto que abrange desde questões regulatórias até a sustentabilidade ambiental, passando pelas complexidades das dinâmicas socioeconômicas.”
Segundo Tecchio, é importante reconhecer que as cooperativas não estão desconectadas do ambiente em que estão inseridas. Elas operam dentro dos municípios, mas também dentro de um contexto mais amplo que inclui o estado e a região Nordeste do Brasil. “Dessa forma, estão sujeitas às condições macroeconômicas do país, tais como mudanças nas taxas de juros e no poder aquisitivo, que inevitavelmente afetam suas operações e contribuem para moldar o panorama econômico da Bahia como um todo.”
Nem tudo são flores
O professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Junior Ruiz Garcia, identifica uma série de desafios relacionados à implementação e monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil. Em sua análise, ele ressalta a escassez de indicadores disponíveis e a complexidade das metas estabelecidas. Dos 254 indicadores definidos pelos ODS, apenas 122 estão disponíveis, segundo ele. “Alguns dos quais não são atualizados regularmente. Essa falta de disponibilidade dificulta uma avaliação clara e completa da situação”, afirma Garcia. “Além disso, a complexidade das metas é um obstáculo significativo, muitas vezes levando a uma falta de compreensão generalizada.”
Anuário mostra aumento de cooperados
O Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2023 mostra um aumento para 20,5 milhões de cooperados distribuídos em 4.693 cooperativas no Brasil. Este crescimento não apenas impulsionou a economia, mas também gerou um impacto social significativo, criando mais de 524 mil empregos e alcançando um faturamento expressivo de aproximadamente R$ 656 bilhões. O destaque desses números é evidente quando consideramos que esse valor representa 6% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Além disso, a presença marcante das cooperativas brasileiras é refletida em sua representação no cenário global, com 9 das 300 maiores cooperativas do mundo sediadas no país. Essas cooperativas, se consideradas como uma única entidade econômica, ocupariam a 9ª posição no ranking das maiores economias globais.
Além de seu impacto nacional, as cooperativas brasileiras também desempenham um papel crucial no contexto internacional. Com 3 milhões de cooperativas em todo o mundo, o cooperativismo demonstra sua relevância global. Especificamente no setor agropecuário, as cooperativas brasileiras detêm uma fatia substancial das 300 maiores cooperativas do mundo, representando 32% delas. Além disso, as cooperativas brasileiras cooperam de maneira expressiva no mercado de seguros europeu, contribuindo com 33,4%.
A presença impactante das cooperativas de crédito é evidente, representando 12,64% do mercado financeiro global. Com 87.914 cooperativas de crédito atendendo a uma base vasta de 393.871.631 cooperados, o cooperativismo financeiro desempenha um papel significativo na inclusão financeira e no fortalecimento das comunidades. Entre essas cooperativas, destaca-se o Sistema Unimed, a maior cooperativa do mundo na categoria “Educação, Saúde e Trabalhos Sociais”, que lidera tanto em faturamento bruto quanto per capita.
Esses dados refletem não apenas a robustez do cooperativismo brasileiro, mas também sua relevância no contexto global. Ao promover um modelo econômico sustentável e inclusivo, as cooperativas demonstram seu compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. Contribuindo para objetivos como Fome Zero e Agricultura Sustentável, Boa Saúde e Bem-Estar, Educação de Qualidade, Trabalho Decente e Crescimento Econômico, Redução das Desigualdades e Consumo e Produção Sustentáveis, as cooperativas brasileiras estão na vanguarda do progresso rumo a um mundo mais justo, equitativo e sustentável.
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
ODS 1 – Erradicação da pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.
ODS 2 – Fome zero e agricultura sustentável: acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.
ODS 3 – Saúde e bem-estar: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.
ODS 4 – Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
ODS 5 – Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
ODS 6 – Água potável e saneamento: garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos.
ODS 7 – Energia limpa e acessível: garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos.
ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.
ODS 9 – Indústria, inovação e infraestrutura: construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.
ODS 10 – Redução das desigualdades: reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles.
ODS 11 – Cidades e comunidades sustentáveis: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
ODS 12 – Consumo e produção responsáveis: assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima: tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.
ODS 14 – Vida na água: conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.
ODS 15 – Vida terrestre: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da Terra e deter a perda da biodiversidade.
ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
ODS 17 – Parcerias e meios de implementação: fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Fonte: Bem Paraná
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