Por décadas, o saber fazer da agricultura foi passado de geração em geração nas propriedades rurais brasileiras. Mas, à medida que o agronegócio se profissionaliza, exigindo visão empreendedora, domínio tecnológico e planejamento, a transmissão de conhecimento familiar já não dá conta das novas demandas.

É nesse cenário que ganha cada vez mais importância a capacitação técnica e gerencial voltada a produtores que já atuam no campo, muitas vezes há gerações. “Quando a formação parte desse saber acumulado, ela não impõe, mas amplia possibilidades. Ajuda a tomar decisões mais estratégicas, a acessar políticas públicas e a entender novas exigências do mercado. É uma forma de garantir que esses produtores continuem no campo com mais segurança, autonomia e dignidade, mantendo suas raízes, mas com novos horizontes.”, aponta Evandro Vasconcelos Holanda Junior, gerente-geral de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa.
Evandro enfatiza que para dialogar com esses produtores é necessário entende-los. “Conversar com quem já está há muito tempo no campo exige respeito e escuta. A resistência às mudanças muitas vezes aparece quando as novas ideias são apresentadas de forma distante da realidade desses produtores”, afirma.
Falando a mesma língua do produtor
Além de capacitar, é necessário levar a mensagem de uma maneira entendível e objetiva, para, de fato, transformar a visão de quem conhece o campo como a palma da própria mão.
O último Censo Agropecuário do IBGE, aponta que 23% dos produtores rurais brasileiros não sabem ler e escrever. Outros 73% cursaram apenas o ensino fundamental, sendo que 66,5% não o concluíram. Apenas 5,6% chegaram ao ensino superior.
“Cada geração possui suas particularidades e, por isso, adaptamos nossas estratégias de capacitação para atender às diferentes necessidades. Para superar esses desafios, utilizamos uma abordagem diversificada que combina métodos”, explica João Paulo Felix dos Santos, diretor administrativo da Cooperativa dos Plantadores de Cana (Coplacana).
“As ações que mais contribuem com a formação de quem já está no campo há anos são aquelas que respeitam o saber acumulado e oferecem apoio prático, constante e próximo da realidade. Programas que combinam formação continuada, troca de experiências e atuação em rede tendem a gerar resultados mais consistentes”, acrescenta Evandro.
O que tem sido feito?

Entre as ações do Plano Safra da Agricultura Familiar 2024-2025, o Coopera Mais Brasil destaca as cooperativas como essenciais na disseminação de informações e serviços essenciais para os agricultores. O programa do Governo Federal visa o fortalecimento da Agricultura Familiar, promovendo acesso facilitado ao crédito, assistência técnica, capacitação de gestores e inclusão em fundos garantidores, com um investimento de R$ 55 milhões para apoiar a gestão de 700 cooperativas.
Mais um exemplo é a parceria do Sicoob com a Embrapa, que deu origem ao programa Boas Práticas Agropecuárias (BPA), voltado à cadeia de gado de corte. A proposta é oferecer assistência técnica qualificada para implementar protocolos de qualidade e sustentabilidade nas propriedades, melhorando a eficiência do rebanho e a rentabilidade do negócio.
Outro desafio pertinente é a inclusão, e pensando em garantir que o conhecimento chegue também às comunidades historicamente excluídas dos processos de desenvolvimento agrícola, como povos indígenas e quilombolas. Um exemplo recente é o anúncio do governo federal sobre o lançamento de um programa específico de assistência técnica para agricultores indígenas, com foco inicial nos povos do Xingu e guarani kaiowá.
“Para que as inovações realmente façam diferença na vida do produtor, é preciso que elas façam sentido para sua realidade. Isso significa ouvir mais, adaptar mais e trabalhar junto com quem está no território. No lugar de entregar uma solução pronta, é mais eficaz construir juntos, respeitando o ritmo, as condições e as prioridades de cada um”, defende Evandro.
João Paulo acrescenta: “Na Coplacana, promovemos cursos, palestras e dias de campo focados em produtividades, diversificação de culturas, manejo, inovação, tecnologia, modelos de comercializações de suas produções buscando melhores resultados e sustentabilidade”.
Para onde vamos?
O futuro do agro brasileiro passa, necessariamente, pela valorização de quem já está no campo. A formação continuada, adaptada ao contexto e respeitosa com a trajetória dos produtores, é um dos pilares para garantir um agro mais produtivo, sustentável e justo.
Evandro, da Emprapa, defende: “Uma abordagem mais eficaz começa pela compreensão do que é necessário para avançar em cada território, considerando as características socioculturais, as dificuldades de acesso (como distância, idioma, letramento), as condições ambientais locais, as políticas públicas presentes na região e a situação econômica das famílias. Só assim é possível oferecer alternativas que façam sentido e sejam realmente úteis no dia a dia”.
Com o avanço das tecnologias, a valorização crescente de práticas sustentáveis e exigências mercadológicas, investir em produtores experientes é garantir que o conhecimento tradicional continue a ser uma força no agro do futuro.
João Paulo, acrescenta que a fusão de diferentes gerações é a chave do sucesso. “Os jovens, por exemplo, são nativos digitais e se adaptam rapidamente às novas tecnologias, enquanto os produtores mais experientes valorizam a experiência prática e o conhecimento tradicional. Incentivamos a troca de experiências, promovendo um ambiente de aprendizado cooperativo e enriquecedor para todos”, conclui.
Por Andrezza Hernandes – Redação MundoCoop

Reportagem exclusiva publicada na edição 123 da Revista MundoCoop