Em tempos de digitalização acelerada, onde quase tudo pode ser resolvido por um aplicativo, uma tendência inesperada vem ganhando força no universo cooperativista: o renascimento dos espaços físicos. No entanto, esqueça aquela ideia de agência tradicional, com aquele espaço de atendimento comum a todos e o famoso cafezinho com o gerente. De olho em tornar a experiência do cliente a mais personalizada possível, a criatividade sai na frente e os espaços se tornam livrarias, adegas, pubs, coworkings e até mesmo centros culturais — ou seja, lugares pensados para fortalecer conexões, gerar conhecimento e impactar comunidades inteiras indo muito além da comunicação.

À frente desse movimento que ressignifica o papel da agência, estão duas das maiores cooperativas de crédito do país, a Unicred União e a Sicredi Pioneira. Elas provam que, quando o propósito vem antes do lucro, os espaços físicos deixam de ser custo e passam a ser um investimento no desenvolvimento social. “Hoje, o cooperado resolve a maior parte das operações financeiras pelo celular. É rápido, cômodo e eficiente. Mas entendemos que, mais do que transações, o relacionamento continua sendo fundamental no cooperativismo”, decreta Marcelo Vieira Martins, diretor executivo da Unicred União.
Há quase uma década, a cooperativa deu um passo ousado: criou a Agência Mais, a primeira agência 100% digital do cooperativismo de crédito no Brasil. A partir dela, a relação com o espaço físico mudou completamente. Se as transações são feitas no digital, as agências passaram a ser espaços para trocas. “Enquanto a agência tem autonomia total para atender o cooperado, tirar dúvidas, oferecer produtos e prestar todo o suporte necessário de forma 100% digital, a agência física acabou ganhando um novo papel. Ela deixou de ser um espaço só de operações financeiras e se transformou no território da experiência. Hoje, além da assessoria financeira qualificada, o cooperado encontra um ambiente pensado para gerar conexões que pode ser usado para reuniões, eventos, palestras, encontros informais e até um simples café com outros cooperados”, explica Marcelo.
O ponto de partida para o que vem por aí
Entre os exemplos mais simbólicos dessa mudança está a Livraria do Cooperativismo, instalada na Arena Unicred, em Joinville (SC). É o primeiro espaço do país dedicado exclusivamente a obras sobre cooperativismo. Aberta ao público, a livraria se tornou ponto de encontro de cooperados, autores, especialistas e público em geral. Além de fomentar conhecimento, parte da renda obtida financia o MotorCoop, programa de responsabilidade social que leva educação financeira e formação, além de atividades culturais, para mais de 5 mil alunos da rede pública.

“A livraria foi criada para preencher uma lacuna existente: a falta de locais que promovam o conhecimento e a cultura do cooperativismo de forma acessível e atrativa, além de oferecer um ambiente acolhedor para leitura, consulta e aquisição de livros. O local também serve como palco para lançamentos de obras e encontros com autores, fortalecendo a integração entre os diversos atores do movimento cooperativista”, completa Martins, acrescentando que a livraria contribui diretamente para o desenvolvimento social e educacional das comunidades, reforçando o compromisso com a transformação positiva da sociedade.
Em Curitiba (PR), a transformação ganha tons ainda mais inusitados. No antigo cofre de um banco, no subsolo da Agência Marechal, hoje funciona uma adega com rótulos produzidos nas regiões onde a cooperativa atua.
“Resgatamos esse espaço e demos um novo significado: transformamos em uma adega que reúne rótulos produzidos nas regiões onde a Unicred União está presente. Mais uma forma de gerar conexão, valorizar os produtores locais e criar um ambiente de convivência entre os cooperados”, comemora.

E as novidades não param. Está prestes a ser inaugurado, também na capital paranaense, um pub inspirado nos fundadores do cooperativismo, os Pioneiros de Rochdale, da Inglaterra.
“O pub vai ser um espaço de trocas, de networking, de fortalecimento dos laços que nos unem no cooperativismo. Ainda não posso revelar muitos detalhes, porque estamos preparando algumas surpresas para os cooperados, mas posso adiantar que será um espaço incrível. Mas uma coisa é certa: a inovação faz parte do nosso DNA. Cada agência terá, sim, seu próprio diferencial, pensado para a realidade e o perfil dos cooperados de cada região, sempre com o objetivo de facilitar a vida financeira do cooperado e oferecer uma experiência completa, que una serviços, relacionamento e o verdadeiro espírito do cooperativismo”, adianta Marcelo.
Um espaço da comunidade
Enquanto a Unicred aposta na transformação pela experiência, na Sicredi Pioneira os espaços físicos são, antes de tudo, da comunidade. Segundo Solon Stapassola Stahl, diretor executivo da Sicredi Pioneira, a ideia surgiu quando os bancos começaram a fechar as agências por conta da digitalização, deixando-as obsoletas.
“Para ganhos de eficiência e redução de custos, é ótimo para as instituições financeiras que os serviços migrem para aplicativos. Porém, para uma cooperativa de crédito, que acredita que o relacionamento humano é o seu principal diferencial, reduzir ou até eliminar as agências é ferir este importante diferencial. Pensamos: isso não serve para nós. Com isso em mente, buscamos uma forma de manter presença física em nossas comunidades, agregando os serviços de consultoria de nossos colaboradores, mas principalmente, criando espaços para as comunidades ocuparem e utilizarem, 24 x 7. Dizemos que o espaço é da comunidade, e que até a cooperativa usa”, explica.

E a ideia de apostar no espaço físico deu certo. Hoje, já existem 10 espaços funcionando, num universo de 53 agências, com mais dois sendo abertos até final do ano. O primeiro deles, criado em 2023, foi o Espaço Feitoria, em São Leopoldo (RS). O conceito é simples, mas poderoso: 80% dele é dedicado à comunidade, enquanto apenas 20% atende às atividades financeiras da cooperativa. E tudo foi construído ouvindo as lideranças e os moradores do bairro.
“Nos pediram auditório, espaço para exposições, sala de capacitação, cinema comunitário, coworking e até uma área gamer para crianças que não têm videogame em casa. Atendemos todos os pedidos”, conta Solon.
Desde então, mais de 2 mil pessoas participaram de mais de 70 eventos no espaço — de oficinas culturais a reuniões comunitárias, passando por festivais, encontros de negócios e até festas de Natal organizadas pelos próprios moradores.
“Ver o espaço sendo usado todos os dias, inclusive finais de semana, no mínimo é gratificante. Mas também sinaliza que havia carências locais que nosso espaço está conseguindo suprir em boa medida. Até a autoestima da comunidade está sendo aumentada. Quando investimos num espaço bonito, moderno e acolhedor, estamos dizendo para aquela comunidade: vocês merecem isso. Isso gera pertencimento e, naturalmente, promove desenvolvimento”, reflete Solon.
E engana-se quem acha que isso não faz sentido economicamente. “As pessoas começam a ocupar o espaço, criam vínculos com a cooperativa e, naturalmente, seus negócios financeiros acabam migrando para dentro. É um movimento orgânico, fruto da confiança e da gratidão”, completa.
O futuro é mais humano — e mais cooperativo
Se o avanço do digital é irreversível, a busca por conexões humanas também. Nesse vácuo que a sociedade contemporânea se aprofunda — feito de solidão, ansiedade e hiperconexão —, esses espaços se tornam antídotos, oferecendo aquilo que nunca será substituído por um aplicativo: relações, pertencimento e comunidade.
Para Marcelo Vieira Martins, diretor executivo da Unicred União, o papel da cooperativa vai muito além de oferecer produtos e serviços financeiros. “Somos agentes de transformação social. E esses espaços são uma extensão desse propósito, porque estimulam o conhecimento, o networking, o desenvolvimento pessoal e profissional e, principalmente, fortalecem os laços da comunidade cooperativa. Eles refletem a essência do cooperativismo: conexão, colaboração e desenvolvimento coletivo”, afirma.
Solon Stapassola Stahl, diretor executivo da Sicredi Pioneira, concorda. Para ele, os espaços são templos do propósito do cooperativismo, que significa: “juntos, construímos comunidades melhores”. “Nos espaços convidamos as pessoas que vivem as dores das comunidades a se encontrarem, se conhecerem, trocarem boas práticas, ensinar, aprender, empreender, e assim, isso vai refletir na melhoria do profissional e da pessoa, que inevitavelmente levará a um aumento de autoestima e renda. Logo, os espaços proporcionam um ambiente de resgate de cidadania não só financeira, mas um resgate do orgulho do seu local, tudo isso levando a, juntos, construirmos comunidades melhores, literalmente. Com as pessoas da comunidade assumindo protagonismo”, diz.
Marcelo faz coro, acrescentando que o olho no olho passou a ser valorizado, especialmente depois da pandemia da Covid-19. “As pessoas passaram a valorizar muito mais o contato presencial, as experiências e os ambientes que geram conexão genuína. E isso casa perfeitamente com os princípios do cooperativismo. No fim das contas, nosso papel vai muito além das finanças. Somos agentes de transformação social. E é isso que faz sentido”, conclui.
Por Leticia Rio Branco – Redação MundoCoop

Reportagem exclusiva publicada na edição 124 da Revista MundoCoop