Ao nosso patrono querido,
Querido Padre Amstad, perdoe nossa lentidão. Foram tantos os ensinamentos deixados a nós, mas tenho o sentimento de que nossos avanços ainda estão muito aquém de sua grandiosa visão. Afinal, não restam dúvidas sobre o quão visionário foi o senhor.
Um homem de vanguarda, até mesmo para os nossos tempos atuais, que construiu um precioso legado. Documentou seus próprios métodos, sendo fiel a preceitos simples, que inspiraram toda uma vida de doação e amor ao próximo – na real, sem pieguices ou apelações. Longe de mim me afirmar grande conhecedora de sua história – no máximo me reconheço como admiradora curiosa.
Mesmo inspirados por um patrono educador, muitos de nós ainda parecemos não ter assimilado a sua mensagem. Máximas universais, comportamentos simples, ações disciplinadas. Buscamos incessantemente pesquisas, teorias, teoremas. E fica a impressão de que não temos conseguido alcançar conclusões deveras óbvias.
Bastaria compreender um pouco de sua história para seguirmos alinhados à essência que o senhor nos legou. Bastaria manter alerta o senso de comunidade. Ou, por que não, apelar aos ensinamentos fundamentais, à chamada regra de ouro – não faça ao próximo o que não gostaria que fizessem contigo. Regra que em seu formato afirmativo parece ainda mais orientativa – faça aos outros o que gostaria que fizessem com você.
Mas parece que o mundo anda mais complicado, ou nossas vistas mais enevoadas com um pesado volume de distrações. Sabe, padre, atualmente temos condições de chegar bem perto de pessoas que estão fisicamente distantes – a tecnologia pretende reduzir nossas distâncias.
Enfrentar longos percursos no lombo de uma mula já não é uma necessidade presente em uma porção de circunstâncias, para a maioria de nós. Porém, as facilidades que o mundo digital nos trouxe tem cobrado um alto preço. Mas, por vezes, acabamos nos confundindo sobre o papel de cada coisa. Usando as pessoas em favor das coisas – ao invés de usar as coisas em prol das pessoas. É, nosso patrono, você nos inspirou à união… Uma união propositada e propositiva, para a superação das dificuldades e suprimento das necessidades comuns. Mas ainda há tanta gente orientada pelo “salve-se quem puder”!
Você, não (inevitável chamá-lo com menor formalidade, tamanha sua presença e familiaridade, me desculpe!). Você nos deu voz, muito antes de nosso país cogitar qualquer possibilidade da participação feminina em nossa democracia. Você demonstrou, com atos e ações, que aquilo que nos une é muito mais forte e poderoso do que aquilo que nos distingue. E 172 anos depois do seu nascimento aqui estamos, discutindo velhas problemáticas, debatendo antigas questões e, enquanto isso, assistimos a desigualdade crescer galopantemente.
Não, não vim fazer queixa e nem lhe incomodar com lamentações. Quero mais é pedir bênção para buscar nossa própria evolução. Quando um de nós avança, abre espaço para quem vem a seguir. Olhar para trás, pra nossa sorte – nesse caso, é esperançar o que está por vir. Especialmente quando enxergamos à frente alguém que, no lombo da mula (mula com nome, mula descoisificada, mula protagonista), fez o que foi preciso.
Quisera eu ter presenciado o que os olhos da Diana puderam ver. Agradeço a oportunidade de recolher fragmentos deste passado inspirador, criando meus próprios vitrais. Quem sabe assim, um pouco de toda essa luz siga sendo refletida? Obrigada, padre! A bênção, Amstad.
*Maíra Santiago é Diretora-presidente da Cooperativa Coletiva
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