A inteligência artificial já escreve textos, interpreta exames e aprova crédito em segundos. Enquanto isso, o cooperativismo segue baseado em coletividade, proximidade e decisões compartilhadas. À primeira vista, parece um contraste. Como um modelo centrado em pessoas prospera em um cenário que valoriza velocidade, escala e eficiência automatizada?
A resposta não está em competir com o modelo tradicional, mas em construir um caminho próprio. Um caminho que também é digital. Mas que precisa ser digital com propósito. Porque no cooperativismo, tecnologia não substitui relações. Ela fortalece vínculos.
Crescer exige evoluir. E evoluir exige tecnologia
Se alguém ainda associa cooperativas a algo artesanal ou limitado, vale olhar os dados. De acordo com a OCB, o Brasil tem mais de 4.500 cooperativas, 23 milhões de cooperados e 550 mil empregos diretos. Só o setor de crédito movimenta mais de 800 bilhões de reais em ativos. Não estamos falando de um setor alternativo, mas de um agente protagonista na economia brasileira.
E todo protagonista precisa evoluir.
O cooperado de hoje e, principalmente, o de amanhã quer autonomia, jornadas digitais, clareza nas informações e uma experiência fluida, sem abrir mão do senso de comunidade. A transformação digital não é mais um diferencial. É condição básica para continuar relevante. Mas atenção: não se trata de copiar o modelo dos bancos. O desafio é criar soluções digitais que respeitem os pilares do cooperativismo. Inclusão. Participação. Impacto coletivo.
Isso é inovação com identidade.
Dados, inteligência artificial e governança. A hora é agora
Digitalizar vai muito além de lançar um app bonito ou instalar um chatbot. O centro da transformação está nos dados. Dados bem coletados, bem tratados e, principalmente, bem utilizados. Com uma boa estratégia, a cooperativa pode prever inadimplência, personalizar produtos, tomar decisões mais ágeis e melhorar a experiência de ponta a ponta. Isso já não é mais tendência. É realidade.
Mas vale um alerta: dados não são neutros. Algoritmos reproduzem os vieses dos sistemas que os alimentam. Se o cooperativismo não desenvolver seus próprios modelos, baseados em justiça, diversidade e pertencimento, corre o risco de importar os vícios do sistema financeiro tradicional. Por outro lado, quando feito do jeito certo, a tecnologia se torna uma aliada da democracia interna. Assembleias híbridas, votações seguras, dashboards de governança acessíveis, decisões baseadas em dados em tempo real.
O futuro das cooperativas pode ser mais participativo, mais transparente e mais inteligente.
Tecnologia que aproxima
Existe um receio legítimo: será que digitalizar não torna tudo mais frio e impessoal? Não, se for feito com consciência.
Automatizar tarefas operacionais não é desumanizar. É liberar tempo para o que realmente importa. Escutar. Cuidar. Criar comunidade.
O cooperativismo nasceu para resolver o que o mercado tradicional não conseguia. Gerar prosperidade coletiva. Esse papel segue atual diante dos desafios sociais, ambientais e digitais que vivemos. O futuro será digital, sim. Mas no cooperativismo, o digital precisa estar a serviço das pessoas. Da equidade. Da proximidade. Da construção de valor compartilhado.
Não se trata de escolher entre ser digital ou ser cooperativo. O verdadeiro desafio, e também a grande oportunidade, está em ser os dois. Ao mesmo tempo. Do melhor jeito.
Por Tiago Amor, CEO da Lecom