Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3865, determinando que imóvel rural produtivo pode ser desapropriado para fins de Reforma Agrária quando não cumprir com a função social da terra. Diante disso, a produtividade e a atenção à função social passaram a ser requisitos cumulativos para o impedimento da desapropriação.
O relator, Ministro Edson Fachin, esclareceu em seu voto, por meio da observância dos artigos 184 e 185 da Constituição Federal, o uso socialmente adequado enquanto fundamento para a legitimação da propriedade — entendendo por essencial, para além da produtividade, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio ambiente e a observância da legislação trabalhista (artigo 186 da CF). Neste sentido, vislumbra-se, dada a realidade do produtor rural, como forma de comprovação da produtividade, a Guia de Trânsito Animal (GTA), Talão do Produtor, declaração de Imposto Territorial Rural (ITR), declaração de Imposto de Renda e eventuais contratos negociais e/ou laudos realizados por expert.
Já no que tange a comprovação da utilização da terra e preservação do meio ambiente, tem-se o Cadastro Ambiental Rural como ferramenta apropriada. Popularmente chamado de CAR, é instrumento implementado pelo Código Florestal que tem como finalidade a obtenção de informações acerca dos imóveis rurais, da conservação do meio ambiente (Áreas de Preservação Permanente – APP, de uso restrito, de Reserva Legal), da função social da propriedade e, consequentemente, o combate ao desmatamento. Portanto, o CAR é ferramenta que, quando analisada e aprovada, fornece segurança jurídica ao produtor rural, pois além de possuir presunção de veracidade acerca da regularidade ambiental da terra, auxilia na concessão de crédito rural, na contratação de seguro agrícola e na comercialização dos produtos frutos do imóvel rural.
E aqui, um problema! Segundo último boletim divulgado, em nível nacional, até outubro de 2023, somente 27% dos cadastros ambientais realizados passaram por algum tipo de análise e somente 1,4% dos CARs foram finalizados. Noutras palavras, dos 7.216.877 cadastros providenciados pelos produtores rurais, apenas 101.349 foram analisados e concluídos pelos órgãos da administração.
Diante disso, o que se flagra é um impasse gerado pela ineficiência dos órgãos ambientais. O CAR que, em tese, deveria fornecer maior segurança jurídica ao produtor rural, acaba por promover a insegurança e incerteza acerca da manutenção da propriedade privada. Este fenômeno se dá em razão do ínfimo número de cadastros analisados, ao passo em que o judiciário entende como essencial a comprovação do cumprimento da matéria objeto do Cadastro Ambiental Rural para que haja o impedimento da desapropriação, assim como dispõe o artigo 2º da lei 8.629/93.
Conclui-se, portanto, que cabe ao produtor rural, de forma unilateral, a elaboração de laudos, o recibo de inscrição no CAR, a averbação de área de reserva legal na matrícula e/ou a salvaguarda de eventuais licenciamentos como forma de suprir a ausência da atuação da administração e da análise dos Cadastros Ambientais Rurais, buscando a comprovação do cumprimento da função social do imóvel.
Por Maria Eduarda Trevisan Kroeff, Advogada do RMMG Advogados e doutoranda em Agronegócios – UFRGS
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