Os primeiros meses de 2024 já se mostraram um marco no mundo da Tecnologia – não só em inovação, mas em regulação mundo afora.
Nos Estados Unidos, audiência pública realizada no fim de janeiro no Senado americano trouxe as principais empresas de tecnologia do mundo – Meta, Snap, TikTok, Discord e X – para prestar depoimentos sobre temas como bullying, suicídio e pressão emocional sobre crianças e adolescentes, o que evoluiu para uma discussão em fevereiro na Suprema Corte para regular conteúdo das plataformas. Em março, a Câmara dos Deputados americana foi além, ao aprovar um projeto de lei que pode obrigar o TikTok a deixar o país, caso a ByteDance – dona do TikTok – não venda o aplicativo para uma controladora americana. Washington está mais do que nunca preocupado com a segurança nacional e quer evitar que a China colete dados dos cidadãos americanos.
Na Europa, começaram a fazer efeito no início de março, não sem polêmicas, os dispositivos do Digital Markets Act (DMA), que possibilita, por exemplo, os usuários de telefone celular utilizarem plataformas alternativas para baixar aplicativos, diferentes das que acompanham o padrão do aparelho. Uma decisão inédita que está abalando os corredores da Apple e que promete contribuir para quebrar monopólios de big techs, se ocorrer conforme planejado pelos legisladores. No mesmo mês, o Parlamento europeu aprovou a primeira lei que regulamenta inteligência artificial, colocando o debate ético no centro ao dividir e regular tecnologias de acordo com seus riscos para a espécie humana.
Na China, as regras governamentais obrigam a Apple a bloquear aplicações como redes virtuais privadas, conhecidas como VPNs, que dariam aos usuários à Internet não filtrada.
Enquanto isso, no Brasil, predomina o debate legislativo sobre IA, a atuação das grandes corporações de tecnologia e a distribuição e moderação de conteúdo em mídias sociais (o que inclui o famoso “PL das fake News”) – e em especial tendo em vistas as próximas eleições municipais neste ano. Regulação econômica de mercados digitais, inspirado na experiência do DMA Europeu, é outro tema em pauta.
A Terra que girava em torno do sol agora gira em torno do chip, despertando nas pessoas um “encantamento tecnológico” – esse permanente estado de inquietação diante da facilidade de circular dados, conteúdos, plataformas, notícias verdadeiras ou falsas, inteligências artificiais. Essa mudança gerou novas formas de vivermos como indivíduos e como sociedade. E essas novas formas criaram alguns dos exemplos mais tangíveis de como um tabuleiro de xadrez de leis e regulamentos está agora fragmentando as experiências tecnológicas das pessoas, dependendo do local onde vivem. No mundo todo, os governos tentam manter o ritmo da inovação tecnológica. Não querem ficar para trás na criação das regras desse ambiente em formação, que, além de operar uma revolução, nos faz mergulhar em uma era de marcos regulatórios.
Como os negócios – e especialmente as startups e/ou scale-ups, que estão à frente de muitas das mais brilhantes inovações que estamos presenciando – podem se preparar para o que está por vir?
É preciso pensar para além da tecnologia e entender que a discussão não é sobre tecnologia nem sobre regulamentação. É sobre cultura e sociedade, ética, direito e sobre como nos comportamos.
Observemos o Brasil: a base do nosso Direito é europeia, não americana. Nossa forma de pensar, de criar leis e agir no sistema tende a ser mais parecida com os europeus em muitos assuntos, o que abrange, por exemplo, o apreço pela livre concorrência – visto que temos um órgão importante e ativo de defesa desse tema – o CADE. No que diz respeito ao comportamento da sociedade, o Brasil tem um perfil mais próximo dos EUA que da Europa ou da China. Temos enfrentado debates polarizados muito parecidos com os americanos que colocam as fake news e a polarização no centro da pauta, como geralmente ocorre em época de eleições.
Dessa forma, o Digital Markets Act (DMA) europeu parece aumentar a competitividade das startups ao permitir maior acesso às grandes empresas e melhores condições para competição no mercado. Já a regulamentação da IA parece diminuir a competitividade das startups ao atrair menos investimentos para o desenvolvimento de IA em locais (por exemplo, a Europa ou o Brasil) em que haja maior controle.
Seja qual for a linha adotada pelo Brasil ou quaisquer outros países nas novas regulações, o ideal é entender o comportamento da sociedade enquanto governos e empresas – de todos os tamanhos – precisam trabalhar juntos. As startups continuam sendo fundamentais para a inovação corporativa e funcionam como critério para avaliar o potencial e a liderança tecnológica dos países. Assim como uma parte considerável do PIB europeu é baseado em pequenas e médias organizações (cerca de 60%), as micro e pequenas empresas representam quase 30% do PIB nacional e mais da metade dos empregos formais, números estes que vêm crescendo.
Por fim, da mesma forma que o desenvolvimento de novos recursos digitais despertam “encantamento tecnológico”, é preciso que as leis entendam e ajudem a impulsionar a sociedade e os negócios, a ponto de promover também um “encantamento regulatório”.
*Caroline Frassão é Cofundadora e sócia-diretora na Ryto Public Affairs
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