O filósofo grego Epicuro ensinava que “os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades”. Epicuro nos traz imediatamente ao grande momento que temos vivenciado nas empresas e que remete a Governança, que se traduz num conjunto de princípios, regras, estruturas e processos, que norteiam a perpetuação das empresas.
A Governança, independente do cenário, atua para promover sustentabilidade do negócio, por meio de boas práticas que visem a geração de valor (além do financeiro). Nas empresas familiares, algumas peculiaridades da Governança servem para minimizar conflitos entre os seus membros; também permite distinguir problemas da família das questões empresariais e não levar esse conteúdo para dentro da empresa, e vice-versa.
Diante da importância que ela exerce, afinal, o que é a tal Governança Corporativa? Na 6ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC (em processo de revisão), define-se:
“Governança Corporativa como um o sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável no longo prazo para a organização, seus sócios e a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e suas relações com as demais partes interessadas. Será bem-sucedido se amparado no propósito, valores e cultura da organização e na busca pelo equilíbrio entre as demandas de todas as partes interessadas e os impactos da organização para a sociedade em geral e o meio ambiente”.
Dirigir para gerar valor sustentável no longo prazo, implica em olhar mais para o futuro, para as grandes questões do planeta, para o propósito que se deseja realizar, para o legado que se deseja deixar. Implica em olhar para o lado, para baixo, e verificar quem está e pode estar junto, quem é impactado e de que forma possa haver uma transformação coletiva vai além do olhar puramente financeiro, de retorno do capital.
Monitorar para gerar valor é algo que está bem em voga na Governança, quais indicadores traduzem a realidade ESG dos negócios? Qual a melhor forma de metrificar práticas com horizonte de longo prazo? Como remunerar executivos e todo corpo operacional do negócio no presente, valorizando as ações que semeiam o futuro? Como o meu negócio pode ajudar minha cidade no futuro? Quais as grandes transformações sociais que deveremos nos preparar para evoluirmos juntos? Como preparar os sucessores para esse futuro? São tantas possibilidades, precisamos começar!
Começar de verdade, inteiros, integrados no todo. Inclusive a integridade, que ganha muita ênfase nessa era pós pandêmica, nos convidando a atuar além da conformidade com as leis e regulamentos, “os agentes de governança devem promover o contínuo aprimoramento da ética na organização, por meio da prática inequívoca e visível da coerência entre pensamento, discurso e ação, da lealdade à organização e da imparcialidade, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesse”.
Recentemente, o caso das empresas Americanas nos fez repensar de maneira coletiva sobre a importância da implantação e do fortalecimento da Governança. A perenidade de uma empresa também traz benefícios à sociedade, entre eles, a geração direta e indireta de emprego e renda às famílias (empregados e fornecedores), recolhimento de impostos e fomento da economia nos municípios, pois é um atrativo importante.
Isso significa que a crise ou a falência de uma empresa não prejudica apenas seus proprietários e acionistas, estende-se à toda cadeia produtiva e à sociedade em geral, ou stakeholders (partes interessadas), provocando inclusive um sentimento de insegurança, medo e pessimismo. Como atrair novos investimentos em um cenário como este? O caso da Livraria Cultura com seu pedido de falência, tem trazido inúmeras manifestações de consumidores e usuários que vivem o “luto” do fim do negócio impacto social.
Também, nesse sentido, é fundamental observar que a maneira como um negócio é administrado pode gerar consequências trágicas, a exemplo do que aconteceu na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, há dez anos. Recentemente assisti o documentário que narra os fatos e é impossível não sentir indignação, não só com a sensação de impunidade do caso, mas, sobretudo com a sucessão de equívocos do ponto de vista de gestão (pública e privada) que culminaram na morte de 242 jovens.
Acredito que quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo. No entanto, mais do que conhecer e estudar o que já passou, é importante trabalhar em prol de não repetir erros antigos. E a implantação da Governança Corporativa e Familiar serve exatamente a este propósito: promover a longevidade do negócio e resgatar o que há de melhor na família. Simples não é, mas o desafio está colocado! Vamos juntos!
*Cristhiane Brandão é Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.
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