Há quase dois séculos, em 1844, cooperativismo foi a resposta encontrada para dar mais poder de compra a operários da Inglaterra industrial. Assim foi criada a primeira cooperativa moderna. E como as boas ideias são eternas, o movimento segue trazendo frescor para questões econômicas e sociais do presente.
Na cidade de Ananindeua, no Pará, cooperativismo foi a resposta para uma questão delicada: como criar oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional para detentas do sistema carcerário?
O mesmo movimento que gira a economia e gera oportunidades em instituições financeiras, no agronegócio ou no atendimento médico instalou seus valores dentro de uma penitenciária.
Essa é umas das histórias que trago no meu novo livro, o Coopbook Soluções. Ele segue a proposta das outras duas publicações anteriores, de apresentar o cooperativismo de A a Z. Para cada letra, um caso em que uma solução foi criada pelas cooperativas.
A Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora (Coostafe) nasceu em 2014 e foi a primeira cooperativa dentro de um centro de detenção brasileiro. Hoje é modelo para outros presídios que desejam aplicar uma forma não assistencialista para que pessoas privadas de liberdade possam ter acesso ao mundo do trabalho.
A cooperativa funciona no mesmo prédio da casa de detenção, em horário comercial. Costuma ter em média 20 detentas trabalhando, que se dividem entre funções de produção manual dos produtos artesanais, administrativas e de contabilidade.
Como as cooperadas estão sob custódia, a cooperativa tem um tutor, representante da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) do Pará. Mas os processos de gestão são responsabilidade das próprias cooperadas, assim como a administração financeira. Quando precisam divulgar o trabalho em feiras, quem representa a cooperativa são detentas do regime semiaberto.
Para a maioria das mulheres, a Coostafe é o primeiro ambiente de trabalho com o qual travaram contato na vida. Quase 300 detentas já tiveram a oportunidade de estar ali ao longo dos anos. Apesar de não haver dados oficiais, a Seap garante que quem passa pela Coostafe não retorna ao crime.
Como é uma cooperativa social, a prioridade não é necessariamente o lucro financeiro. A finalidade principal é a integração e a inserção de pessoas em desvantagem social no mercado econômico. Por isso, para ser cooperada o mais importante é desejar ser parte. As mais experientes tratam de ajustar as habilidades das novatas para a adaptação ao mercado.
A iniciativa é acolhida por profissionais e projetos da região, que compartilham conhecimento e abrem oportunidades à Coostafe. Uma das parcerias mais marcantes foi com a Secretaria de Estado da Cultura, que encomendou com a cooperativa a produção de um figurino para um festival de ópera. O trabalho rendeu às custodiadas a oportunidade de assistir à estreia do espetáculo em um dos teatros mais antigos do país, o Theatro da Paz, em Belém.
O cooperativismo apresenta a essas mulheres ferramentas que têm imenso valor – tanto em ambientes de detenção quanto de liberdade. A oportunidade de acordar e dedicar seus dias ao trabalho e à construção de um propósito.
*Marcelo Vieira Martins é CEO da Unicred União
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