E 2023 passou deixando em seu rastro muitas realizações, avanços e aprendizados para os entes que compõem o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo – SNCC e, em especial, para o segmento das cooperativas singulares independentes.
Mas o que esperar de 2024? Quais são os desafios mais iminentes? Quais as prioridades que devemos enfatizar no planejamento estratégico? No que realmente os dirigentes e colaboradores deveriam concentrar suas atenções?
Para embalar esta reflexão cito a recente afirmação do Diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton Aquino, em entrevista à Revista MundoCoop, que deveria ressoar como alerta aos responsáveis pelos negócios das instituições financeiras cooperativas: “Os desafios não são poucos. Nessa transformação exponencial em que nos encontramos, a cultura organizacional e o modelo de negócios das instituições que as trouxeram até aqui podem não ser os mesmos que vão conduzi-las ao futuro. Inovar, se adaptar e ser competitivo é crucial. “
No ano que findou o cooperativismo de crédito continuou crescendo no Brasil. Segundo dados do Banco Central, divulgados até setembro/23, e colhidos junto ao BureauCoop, o segmento alcançou no período números superiores à média do setor financeiro brasileiro, atendendo mais de 18,5 milhões de cooperados. Em ativos, foram movimentados R$ 645,2 bilhões, a carteira de crédito ativa atingiu R$ 369,3 bilhões; o montante em depósitos superou R$ 410,0 bilhões. Os números definitivos de dezembro/23 devem confirmar um excepcional desempenho anual.
A rede de atendimento detém 8.915 unidades, sendo que as cooperativas estão presentes em cerca de 300 municípios que não têm bancos. Estudos da Fundação FIPE demonstram que, onde há unidades de cooperativas de crédito, há um incremento na arrecadação de impostos, na geração de empregos e renda, na educação e na promoção social.
Somente durante 2022, foram arrecadados mais de R$ 19 bilhões em tributos aos cofres públicos e mais de R$ 25 bilhões referentes ao pagamento de salários e de outros benefícios destinados a colaboradores.
Em relação às 213 cooperativas singulares independentes – aquelas que não são vinculadas a centrais cooperativas – o desempenho, no mesmo período de 2023, também foi alvissareiro alcançando quase 1 milhão de cooperados; ativos totais de R$ 22,6 bilhões; carteira de crédito de R$ 12,7 bilhões; depósitos totais da ordem de R$ 14,1 bilhões; com resultado acumulado (sobras) atingindo cerca de 636,0 milhões.
Entretanto, em que pese este crescimento consistente do segmento cooperativista financeiro, gostaríamos de focar aqui no grande desafio para o setor, e em especial para as cooperativas singulares independentes, com a implantação da Resolução 4966/21, a partir de janeiro/25, que trará fortes impactos econômicos e financeiros, que podem variar a depender da condição de cada instituição cooperativista a ser alcançada pela norma.
Para as cooperativas dos segmentos S4 e S5 que devem adotar a Metodologia Simplificada de Apuração da Provisão para Perdas Esperadas Associadas ao Risco de Crédito – Modelo Simplificado, vislumbramos os seguintes principais impactos:
a) Provisão para Perdas Esperadas Associadas ao Risco de Crédito – PPERIC (nova denominação que substituirá a PCLD): o principal impacto decorre da alíquota estabelecida pelo BCB para as operações de crédito enquadradas na Categoria 5: ´…operações de crédito pessoal, com ou sem consignação, crédito direto ao consumidor…’ (Grifo nosso), que passa a ser de 1,9%, sobre o estoque existente em 31/12/2024, para operações com zero dia a até 14 dias de vencida. Pela regra atual essas operações poderiam ser classificadas como de risco A com alíquota de 0,5%. Portanto, temos um impacto imediato de 3,8 vezes no valor atual da provisão para essa carteira de ativos.
b) Impactos no resultado contábil das Cooperativas: os efeitos devem ser registrados em contrapartida à conta de lucros ou prejuízo acumulados, a partir de janeiro/25. Na prática significa que ocorrerá o ajuste da nova PPERIC de uma única vez contra a conta de lucros ou prejuízos acumulados, que se espera tenha saldo suficiente para abrigar toda a diferença entre o valor da PCLD (Res. 2682) versus a nova PPERIC. Temos duas implicações direta desse fato, ambas muito graves:
1) Caso não tenha saldo suficiente na rubrica acima mencionada ela vai inverter o saldo com reflexos no tamanho do Patrimônio Líquido da Cooperativa, com efeito imediato no índice de Basiléia, que pode vir a causar o desenquadramento de algumas cooperativas do mínimo obrigatório, com as suas diversas consequências;
2) Pode ocorrer, também, a não distribuição de sobras pela ausência de sobras a distribuir, pois o que poderia ser distribuído foi consumido pela nova PPERIC.
Esses são alguns aspectos que levantamos, mas diversos outros podem, ao longo de 2024, causar incremento das despesas administrativas das Cooperativas como a contratação de consultorias para auxiliar na interpretação/análise da aplicação da norma ao caso concreto; ajustes em sistemas de tecnologia da informação, que não são poucos; gastos com treinamento de diversas áreas da Cooperativa para conhecimento e aprofundamento nos diversos conceitos apresentados; ajustes/redesenho do modelo de negócios da Cooperativa, entre tantos outros.
Enfim, teremos pela frente um ano bastante desafiador para procedermos a todos esses ajustes, simulações de impacto e preparação técnica dos nossos times.
Precisamos unir forças para a prática da intercooperação neste quesito, contando com o apoio do OCB/CECO, do Grupo Técnico, da Confebras, do BCB e do FGCoop, de modo que haja ampla discussão e disseminação de conhecimentos e boas práticas no âmbito de ecossistema cooperativista.
Para encarar a questão de frente é fundamental a participação ativa e o envolvimento dos dirigentes e colaboradores responsáveis pela condução do tema em todas as cooperativas singulares, notadamente as independentes. Há riscos relevantes no horizonte!
*Kedson Macedo é Diretor Executivo na Cooperforte
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