A última semana foi marcada por uma bateria de novos dados divulgados para o quadro brasileiro de oferta e demanda da soja brasileira e há três pontos de forte convergência entre analistas e consultores de mercado: 1) todas as atuais estimativas de safra estão otimistas demais e – diante das adversidades climáticas já registradas, que estão se registrando e que ainda podem se registrar – o país deverá colher no máximo 150 milhões de toneladas; 2) as exportações da oleaginosa têm tudo para renovar seu recorde nesta temporada, ultrapassando 90 milhões de toneladas diante do que deverá se consolidar como a maior safra da história da sojicultura global; 3) a demanda interna por soja no Brasil deverá ter um 2023 promissor com os problemas enfrentados pela Argentina e a quebra de safra na nação que é a maior exportadora mundial de óleo e farelo.
Em seu boletim específico para oleaginosas, reportado em 12 de janeiro, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) destacou que a oferta vinda de soja da América do Sul “será recorde apesar da quebra da safra da Argentina”.
“Apesar de uma safra menor na Argentina, a oferta sul-americana em 2022/23 ainda está prevista em um recorde, predominantemente devido à produção recorde do Brasil. Ao contrário da Argentina, a soja do Brasil foi elevada (na estimativa do departamento) em um milhão de toneladas neste mês, para 153 milhões. Além disso, os estoques finais de soja é aumentou três milhões de toneladas (no ano safra norte-americano, de junho a julho) devido à revisão para cima da safra 2021/22 e menor estimativa de esmagamento. No entanto, tanto o esmagamento do Brasil quanto as exportações de soja aumentaram este mês. Este aumento compensa principalmente as reduções da Argentina neste mês”.
A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias Processadoras de Soja) reduziram suas estimativas de safra, bem como reduziram suas projeções para as exportações do país. No entanto, ambas ainda trazem números fortes de, respectivamente, 93,9 milhões e 92 milhões de toneladas. O USDA estima que o Brasil exporte 91 milhões de toneladas do grão, dado que também é bastante intenso, apesar de ter passado por uma pequena correção em relação ao anterior, de 92 milhões.
Do mesmo modo, a Conab aumentou seu número para o esmagamento brasileiro de soja de 50,67 para 52,75 milhões de toneladas, enquanto a Abiove manteve o processamento estimado em 52,5 milhões.
Assim, o principal questionamento que o mercado se faz agora é sobre a força das demandas interna e para exportação no complexo soja do Brasil e, claro, como isto deverá seguir impactando a formação de preços e as margens de renda do produtor brasileiro.
“2023 deve ser um ano de maior oferta de soja no Brasil porque, apesar dos problemas no Sul, teremos uma safra recorde, e como teremos uma oferta muito maior iremos voltar a ter exportações recordes e o esmagamento deve voltar a crescer”, acredita Luiz Fernando Gutierrez, analista da Safras & Mercado. A consultoria estima as exportações em 94 milhões e esmagamento de 50 milhões de toneladas.
Gutierrez afirma que, naturalmente, os números podem ser alterados nos próximos meses, em especial no processamento, já que parte desses resultados está atrelada às decisões que serão tomadas em relação às políticas de biodiesel, e no campo, à conclusão das lavouras diante do cenário climático.
A expectativa é de que a mistura de óleo de soja na composição do biocombustível passe 10% para 14% e, na sequência, para 15% depois do primeiro trimestre deste ano, porém, ainda sem definição. Em 3 de janeiro, o novo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a mistura será definida após conversas e pesquisas feitas com representantes do setor. “É importante trazermos previsibilidade para a indústria, pondo um fim à instabilidade causada pelas frequentes alterações no percentual de mistura dos combustíveis fósseis”, disse.
Ainda de acordo com o analista da Safras, ao ser alcançado os 13% a partir de março ou abril, os 50 milhões de toneladas de soja processadas devem ser alcanaçadas. “Se for a B10, ficamos com um pouco menos, se for a B15, podemos ir a um pouco mais”, complementa.
Ao lado da questão do biodiesel, as atenções das indústrias brasileiras estão voltadas ao futuro da safra na Argentina. A quebra por lá é bastante severa e os números finais deverão ficar bem aquém do registrado pelas consultorias privadas ou pelos órgãos públicos neste momento. Nesta quinta-feira, o USDA reduziu sua projeção de 49,5 para 45,5 milhões de toneladas, enquanta Bolsa de Cereales de Buenos Aires levou sua estimativa de 48 para 41 milhões de toneladas. No entanto, há especialistas que acreditam que a nova safra portenha pode nem ao mesmo chegar a 40 milhões de toneladas.
Do mesmo, o USDA ainda reduziu suas estimativas para o esmagamento de soja argentino de 39,75 a 38 milhões de toneladas.
“Quando se diminui a safra argentina, não é só o volume, em si, que é a questão. A Argentina é maior fornecedora de óleo e fornecedora de farelo do mundo, e quando se diminuiu a safra, se diminui o volume de derivados e alguém vai ter que entrar para suprir isso. E esse alguém será o Brasil com a entrada de sua nova safra”, explica o consultor em agronegócios, Ênio Fernandes, da Terra Agronegócios.
E em sua perspectiva, que se soma a baixos estoques também nos Estados Unidos, este será um importante pilar de suporte para as cotações da soja no mercado brasileiro. Afinal, esta semana foi marcada também pelas notícias de que a Argentina estaria, inclusive, comprando soja brasileira nos últimos dias.
De acordo com a apuração do senior risk manager da hEDGE Point Global Markets, Victor Martins, forma seis navios da oleaginosa brasileira, importados pelo porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, via barcaças. O comprador é o grupo Vicentin. “Os estoques de soja estão exauridos, a Argentina está com extrema dificuldade de originar soja no spot, levar para a indústria e ofertar farelo e óleo”, diz. “A demanda vem dado a escassez de soja devido ao volume demasiadamente elevado de exportações no quarto trimestre de 2022”.
Com isso, ainda como explicou Martins, os preços dos derivados explodiram no mercado argentino, deram oportunidade aos produtos brasileiros, puxando, inclusive os prêmios da soja por aqui nos últimos dias.
Ao lado dessas boas perspectivas para a demanda interna pela soja brasileira – apoiadas na janela que deverá ser deixada pela Argentina, com uma boa pedida pelas indústrias processadoras, além de um horizonte melhor também para a mistura do biodiesel – há também projeções de exportações fortes de soja pelo Brasil, que podem passar de 90 milhões de toneladas.
“A demanda pela soja brasileira deve voltar a ser forte, devemos recuperar uma parcela que perdemos para os Estados Unidos em 2022, porque não tínhamos mais o que ofertar para o mercado externo por conta da quebra da safra passada. Então, este ano vamos voltar a ganhar essa fatia que perdemos para os americanos, assim devemos ver nossa exportação voltando a crescer, China aumentando suas compras, podendo se aproximar de 100 milhões de toneladas e o Brasil sendo o principal exportador para a China”, explica o analista da Safras & Mercado.
Na perspectiva de Marcos Araújo, analista de mercado da Agrinvest Commodities, ao se confirmar essa redução na produção brasileira e com os bons números da demanda também se garantindo, os estoques finais de soja do Brasil terminarão 2023 apertados, de pouco mais de 5,6 milhões de toneladas, em especial no final do segundo semestre. E este se mostra como mais um pilar importante para as cotações na Bolsa de Chicago.
Em sua análise, Araújo destacou o comportamento dos preços da soja no início de 2022, quando o bushel subiu 30% de janeiro a março – saltando de US$ 13,00 a US$ 17,00 – diante de uma quebra na América do Sul provocada também pelo La Niña. “Não estou dizendo que o preço tem de subir os mesmos 30%, mas diante de uma oferta menor considero uma alta eventual no bushel da soja”, diz.
Fonte: Notícias Agrícolas
Discussão sobre post