Em um dia chuvoso atípico do mês de abril em Goiás, o sorriso largo de José Martins Ferreira recebeu a equipe do Sistema OCB/GO, na casa onde mora, em Piracanjuba. Estava à espera da visita, caprichosamente vestido com calça e camisa sociais e sentado em uma cadeira confortável ao lado de um andador. A locomoção prejudicada e provocada por uma artrose está sendo uma das poucas dificuldades enfrentadas pelo senhor que completou 100 anos, no último 23 de março.
Com lucidez impressionante para a idade, muita simpatia e voz firme, ele não economizou disposição para contar muitas histórias que marcaram sua vida pessoal e o desenvolvimento da cidade onde sempre viveu. (veja o vídeo da entrevista com o “Seu Juca” no final da matéria).
Conhecido pela bondade extrema nas relações pessoais, o pai de quatro filhos mora atualmente com o mais novo, José Henrique Ferreira, fruto do segundo casamento, após ter ficado viúvo.
Juca da Quita
José Martins Ferreira nasceu em 1923, na Fazenda Cachoeira, zona rural de Piracanjuba. O apelido, Juca da Quita, tem origem cultural e familiar. Nessa época, nas cidades do interior, era comum que as crianças fossem identificadas pelo nome dos pais. Como sua mãe se chamava Quita, ficou desde pequeno conhecido por todos pelo carinhoso nome.
Ao longo da vida, ele assumiu papéis que foram sempre baseados em ideais humanos e coletivos. Seu legado de sucesso à frente de iniciativas e ações mudaram a história do município. Os cargos de presidente do Sindicato Rural de Piracanjuba (mesmo sendo um agropecuarista, desenhou a planta do primeiro sindicato), presidente da Cooperativa Agropecuária Mista de Piracanjuba (Coapil) e vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg) foram apenas alguns que marcaram sua trajetória no ambiente social e político da cidade.
Além de ocupar posições à frente de entidades, foi responsável pela construção e fundação de locais importantes para o desenvolvimento de Piracanjuba, como o Hospital São Vicente, o Parque de Exposições, a unidade local da Emater, a agência do Banco do Brasil, a sede da maçonaria e o Lar dos Idosos.
Juca Cooperativa
Na década de 60, quando era pedreiro e estudante de construtor, o Juca da Quita ganhou novo apelido. Em busca de máquinas para alavancar sua atividade, visitou a cidade de Tambaú, em São Paulo. Foi lá que houve o primeiro contato com o cooperativismo.
“Me chamou muita a atenção, achei muito bonita aquela convergência onde todos ali estavam trabalhando num sentido só”, narra, com riqueza de detalhes, a viagem na qual conheceu uma cooperativa paulista. Após esse contato, a ideia não saiu mais da cabeça do jovem empreendedor. “Fiquei curioso, queria fazer uma cooperativa aqui e comecei a falar sobre isso o tempo todo. Por isso, ganhei um apelido, na época, de Juca Cooperativa”, conta, sorridente e orgulhoso.
Em pouco tempo, o sonho virou realidade. “Fiz amizades que me ajudaram, como a do Luiz Elias, líder da igreja evangélica daquele tempo e que foi o primeiro presidente da Coapil. Disse a ele: ‘Preciso do seu nome’. Ele me respondeu: ‘Eu não tenho nada, mas confio em você.’ Confiança… essa palavra mexeu muito comigo. Tudo começou por causa das pessoas dessa época”, revela.
Segundo o atual vice-presidente da Coapil e coordenador do Conselho Administrativo da OCB/GO, Astrogildo Gonçalves Peixoto, “tudo de bom que tem na cidade tem a ideia e a mão do ‘Seu Juca’. Ele é uma referência para todos nós até hoje, teve o espírito de cooperar em tudo o que fez”, ressalta.
Coapil
A história da fundação da Coapil confunde-se com a história pessoal desse idealista do cooperativismo da região Sul de Goiás. A cooperativa foi a primeira constituída na região, no dia 21 de julho de 1968, com a associação de 50 produtores rurais. Iniciou suas atividades por meio da Associação de Crédito Agrícola Rural de Goiás e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que nessa época eram os órgãos que davam suporte e incentivos para a constituição de cooperativas.
No início, tinha como principal atividade a aquisição de sacarias para atender aos produtores que cultivavam arroz. Já no início da década de 70, abriu uma farmácia veterinária, construiu um posto de combustível, um armazém e passou a fornecer insumos para os cooperados. Nesse período, passou a atuar com os produtos e insumos em consignação, o que reduzia muito o custo ao cooperado. Isso ajudou a incrementar o negócio, que chegou a ter mais de 800 sócios.
Sobre a Coapil do presente, que recebe em torno de 100 mil litros de leite por dia e atende diariamente 600 produtores da região, “Seu Juca” responde que é um homem feliz e realizado. “Quando vejo o sucesso da cooperativa, fico bem confortável”, revela com alegria.
Piracanjuba
Fundada em 1855, Piracanjuba chegou aos 165 anos com o desenvolvimento socioeconômico marcado pelas atividades das cooperativas da região. Para o pioneiro do movimento no município, o cooperativismo motivou o surgimento de muitas outras atividades, porque a cidade dependia exclusivamente da zona rural e, após o início da atividade das cooperativas, as indústrias começaram a surgir, provocando o crescimento do município.
“O cooperativismo é a mãe da cidade. Hoje posso dizer isso. Piracanjuba se não tivesse a cooperativa seria outra. Goiatuba também, foi a cooperativa que subiu a cidade e também outras de Goiás. E continua fazendo a diferença na vida das pessoas até hoje”, ensina Seu Juca.
Certeza de futuro
No alto da sua sabedoria secular, “Seu Juca” lembra das dificuldades enfrentadas para a implantação de uma cooperativa no passado como a elaboração do estatuto e a disseminação da nova ideia para a comunidade. Questionado se o cooperativismo é o modelo ideal de negócio para as futuras gerações, ele responde com rapidez e firmeza que é o meio mais certo que existe. “É uma obrigação dos chefes de hoje, estou cutucando eles (risadas), incentivar o cooperativismo para os jovens, é o caminho certo”, orienta.
“O cooperativismo é o que move tudo, o transporte, o produto para entregar, o dinheiro para financiar. Eu não estou muito a par, a gente vai ficando idoso e vai afastando das coisas, mas eu tenho certeza que se fechar as cooperativas, a cidade vai viver de que, eu te pergunto?”, desafia e ainda complementa: “A não ser para grandes empresas particulares, eu acredito que o cooperativismo é modelo para o futuro. Para ser uma união de forças diversas, sem as cooperativas, não há avanço fácil. Agora, a chave de tudo é quem vai comandar essa tropa. O difícil não é juntar os produtores, mas achar um para dirigir tudo ou dois ou três diretores que pensem num só motivo”, aconselha.
Vida coop
“A cooperativa foi a minha segunda casa, a minha fazenda era pertinho. Eu acabava de tirar o leite e ia para cooperativa. Eu não dava ordem, só ficava observando e na reunião de conselho eu dava a minha opinião na hora certa”, continuou ‘Seu Juca’, contando suas histórias. Quando é questionado sobre o que seria da vida dele sem o cooperativismo, ele para um pouco para pensar e revela: “eu vivi para o cooperativismo, fez parte da minha vida e nem sei imaginar a minha vida longe disso”.
“Como construtor, fiz muitas pontes. O difícil não é construir, mas planejar. Nunca falei isso é meu ou seu, isso é inútil na cooperativa. Para mim, não interessava se eu que tinha feito ou não, nunca liguei se meu nome ia aparecer, o trabalho é que tem que aparecer. A mentalidade hoje melhorou muito, a cultura do ‘eu’ atrapalha, essa palavra não pode ser usada e estraga muito as coisas”, ensina o pai do cooperativismo de Piracanjuba.
E, foi assim, construindo pontes de concreto e também as imaginárias que o Juca da Quita abriu tantos caminhos para novos projetos e empreendimentos na cidade da região Sul goiana.
O cooperativismo é a mãe da cidade. Hoje posso dizer isso. Piracanjuba se não tivesse a cooperativa seria outra. Goiatuba também, foi a cooperativa que subiu a cidade e também outras de Goiás. E continua fazendo a diferença na vida das pessoas até hoje.”
Juca da Quita, fundador da Coapil
Homenagem
No último mês de abril, foi realizada uma sessão solene, em homenagem aos 100 anos do ‘Seu Juca da Quita’, na Câmara Municipal de Piracanjuba. Na oportunidade, o presidente da Casa, vereador Bruno Baiano, destacou a importância da cerimônia. “É um privilégio parabenizar alguém que está completando um século de vida, cheio de histórias e de momentos marcantes”, revelou. Como forma de reconhecimento e congratulações, houve uma Moção de Aplausos, além de depoimentos de amigos e familiares presentes, em reconhecimento à importância do seu trabalho para o desenvolvimento e crescimento do município.
“Eu quero agradecer todos os envolvidos na realização desta solenidade e os presentes nesta noite, pra mim é uma honra muito grande poder estar aqui falando ainda com nossa comunidade, e quero deixar meus mais sinceros agradecimentos a todos, meu muito obrigado”, disse Juca da Quita no evento.
Fonte: Sistema OCB/GO
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