O protagonismo feminino deu um salto dentro do cooperativismo e, com isso, na contribuição para uma verdadeira mudança nas organizações
Há tempos a pauta equidade de gênero não é mais uma novidade. Mas isso por si só representa um avanço efetivo? Assim como em muitos outros temas, a conscientização e a prática precisam caminhar juntas para o cenário realmente mudar.
Quando o assunto é ambiente de trabalho, essa mudança já é notória. E mesmo com problemas ainda enraizados, como a disparidade salarial e a diferença na ocupação de cargos, a perspectiva é que esse movimento de inclusão seja definitivo e dite cada vez mais o futuro do mercado.
Segundo relatório divulgado no final de 2019 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), empresas com mulheres em postos de liderança têm mais lucros nos seus negócios. Das mais de treze mil empresas de setenta diferentes países pesquisados, mais de 75% destas companhias afirmam que suas iniciativas em favor da diversidade de gênero contribuíram para melhorar seu rendimento nos negócios.
Outro fator muito forte que tem transformado a dinâmica do mercado de trabalho é o universo digital. E nele, as mulheres também estão encontrando uma chance de se posicionar. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, as empreendedoras brasileiras foram mais rápidas e eficientes ao implementar inovações em seus negócios durante a pandemia do que os homens. São 71% das mulheres que fazem uso das redes sociais, aplicativos ou internet para vender seus produtos, quando apenas 63% dos homens usam as ferramentas. Além disso, 11% das mulheres inovam na oferta de produtos e serviços, contra 7% dos homens. Para a gerente da Fundação Sicredi, Cristiane Nogueira do Amaral, empresas que querem sobreviver a estes tempos desafiadores de mudanças associadas à inovação, tecnologia e disrupção de modelos tradicionais, precisarão refletir sobre seu papel social no mundo. “Elas devem antecipar e abordar as mudanças globais de comportamento, isso inclui a diversidade de gênero”, acrescenta.
A VEZ DELAS
No mundo corporativo ou nas comunidades nos quatro cantos do país, um modelo em específico vem contribuindo para o destaque dessa questão. O cooperativismo. Além de disseminar a participação igualitária desde sua origem, a atuação cooperativista tem impulsionado o protagonismo feminino através da promoção de encontros, programas, comissões e muitas outras iniciativas. Para Cristiane, a realização dessas atividades é de extrema importância, pois apenas o letramento de todos que fazem parte do cooperativismo, independentemente de gênero e posição, é capaz de trazer a mudança e a evolução necessárias. “A realização dessas ações é importante para mulheres e homens, pois quando debatemos questões relacionadas à gênero, debatemos também as dinâmicas sociais, culturais e de poder entre homens e mulheres e, nesse contexto, as ações são importantes para ambos os gêneros”, comenta.
Segundo o Anuário do Cooperativismo Brasileiro, levantamento feito pela OCB, em 2020, as mulheres representaram 40% dos cooperados, 2% a mais do que o ano anterior, quando o índice era de 38%. Entretanto, o índice de mulheres que ocupam cargos de direção é de apenas 24%. Número que torna ainda mais necessário a criação de iniciativas que trabalhem esse tópico coletivamente. “Outro ponto importante a ser considerado é que tais ações criam oportunidades para as mulheres, oportunidades que talvez nunca tenham tido, de mostrarem seu potencial, suas habilidades e capacidades, ganhando visibilidade e experiência. Identificar potenciais mulheres líderes e as ajudar a ganharem espaço, é um passo muito importante para o avanço da mulher no cooperativismo”, pontua Cristiane.
O cenário, porém, continua sendo otimista. A quantidade de cooperadas tem crescido anualmente. Hoje, 4,8 milhões de mulheres fazem parte desse movimento. No Estado do Ceará, por exemplo, a participação delas já supera a masculina no número de cooperados, correspondendo, em 2020, a 56% do quadro social das cooperativas. Este ano, ainda, a Forbes Brasil divulgou sua primeira lista das “100 Mulheres Poderosas do Agro”, com nomes que estão transformando diferentes segmentos do setor e, claro, mulheres cooperativistas ocuparam o ranking e chamaram a atenção por suas expressivas atuações.
PARTICIPAÇÃO ATIVA
Falando em representatividade e diferencial, recentemente, um exemplo de fortalecimento da participação feminina no cooperativismo ganhou destaque. A Comissão Mulher Cooperativista da Castrolanda. Sendo referência nacional, a iniciativa é formada por cooperadas, esposas e filhas de cooperados Castrolanda, tem levado inspiração para cada vez mais mulheres e incentivado cooperativas do país a também fortalecer a causa.
Debora Noordegraaf, cooperada e Coordenadora da Comissão Mulher Cooperativista, está entre as brasileiras reconhecidas como as “100 Mulheres Poderosas do Agro”. Ela é suinocultora, responsável por gerenciar várias atividades, desde o cuidado com os animais, compra de medicamentos, vistorias até os processos financeiros, e há mais de uma década faz parte das mulheres cooperativistas da Castrolanda. “Um reconhecimento como este é sempre uma surpresa, pois nunca foi o objetivo. O objetivo real sempre foi abrir espaço para as mulheres nos negócios e na cooperativa. Mas hoje eu vejo que sair na lista foi muito bom para dar visibilidade a este trabalho e assim abrir caminho para mais mulheres dentro do cooperativismo”, comenta.
A respeito da Comissão, Debora conta que o grupo trabalha em três frentes de atuação. “Na primeira, buscamos desenvolver as capacidades técnicas das mulheres, o objetivo aqui é desenvolver as mulheres em seus negócios. Segundo, trabalhamos a parte comportamental, para desenvolver capacidades de liderança feminina. E por fim, realizamos formações e eventos sobre cooperativismo, pois quanto mais as mulheres conhecerem o cooperativismo e o funcionamento da cooperativa, mais atuantes elas serão na cooperativa e consequentemente mais aptas a ocuparem cargos na governança da cooperativa”. Mas a atuação não para por aí. O auxílio na sucessão familiar também é constante e reforça o importante papel da mulher no processo sucessório, indispensável para o agro atual. “Outro objetivo do nosso grupo é ajudar mais mulheres a chegar em cargos de governança da cooperativa. E fazemos isto, por meio formações, eventos e principalmente dando visibilidade para a mulher do agro”, acrescenta a coordenadora.
Essas são algumas – e necessárias – práticas de muitas que apresentam o verdadeiro diferencial de transformar o cooperativismo e, consequentemente, disseminar questões tão importantes entre as pessoas enquanto sociedade. Para Debora, o movimento cooperativista e seus integrantes podem contribuir ainda mais com a atuação feminina. Além do estímulo da criação de comissões, núcleos ou comitês femininos, reconhecendo a contribuição das mulheres no desenvolvimento da cooperativa, dar voz para as mulheres expressarem suas ideias se tornou um dos pontos chaves para essa mudança, abraçando gerações e posições. “Para as que estão começando, é importante que a cooperativa identifique o perfil de suas cooperadas. Pois as mulheres cooperativistas, dependendo de cada realidade, terão diferentes perfis”, conclui.
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