A cada avanço tecnológico, surgem novas formas de reorganizar processos, criar valor e reinventar modelos de negócio. No universo da blockchain, dois elementos e conceitos destacam sua capacidade de transformar relações: os tokens e os contratos inteligentes.
Embora ainda pareçam distantes da realidade de muitas cooperativas, esses instrumentos são, na verdade, bastante acessíveis — e potencialmente revolucionários. Entender o que são, como funcionam e como se relacionam pode abrir caminhos para inovação real, prática e alinhada aos princípios cooperativistas.
Um token é, de forma simples, a representação digital de um ativo ou direito dentro de uma blockchain. Ele pode simbolizar uma cota-parte, pontos em um sistema de fidelidade, ou benefícios vinculados à participação em um projeto coletivo. Imagine, por exemplo, que uma cooperativa possa criar tokens para representar a contribuição de seus cooperados em determinado fundo, ou para distribuir sob forma de incentivo conforme o engajamento em atividades da cooperativa.
Esses tokens são criados e gerenciados por meio de contratos inteligentes — códigos programáveis que executam automaticamente ações quando determinadas condições são atendidas. Ou seja, o contrato inteligente não só define as regras de emissão, uso e transferência do token, como também garante sua execução de forma segura, sem a necessidade de intermediários. No contexto cooperativo, podem ser usados para automatizar repasses de sobras, validar operações internas, gerenciar fundos mutualistas ou assegurar que incentivos sejam distribuídos com base em critérios transparentes e previamente definidos.
Ambos os recursos compartilham a mesma lógica: descentralização, segurança e transparência — pilares que reforçam a Identidade Cooperativa e criam meios de engajar os membros de forma mais ágil, confiável e participativa.
É curioso notar como uma tecnologia nascida em um ambiente tão distante — o das finanças digitais — pode dialogar tão bem com os valores cooperativistas. Isso mostra que, mais do que técnica, inovação é visão.
É importante lembrar que não se trata apenas de digitalizar processos já existentes. Trata-se de redesenhar a lógica de interação entre cooperativa e cooperado, utilizando a tecnologia para fortalecer vínculos, distribuir valor de forma mais justa e ampliar a autonomia de cada participante.
O cooperativismo nasceu como resposta inovadora a um modelo econômico excludente. Agora, diante da era digital, tokens e contratos inteligentes surgem como ferramentas para renovar esse propósito. A tecnologia está posta. A pergunta que se impõe agora é: o cooperativismo será apenas espectador dessa transformação ou protagonista?
*Fernando Lucindo é Advogado, especializado em Cooperativismo e Blockchain

Coluna exclusiva publicada na edição 123 da Revista MundoCoop