Há alguns anos, o número de mulheres atuando no campo tem crescido significativamente, inclusive nas cooperativas de agronegócios. Esse movimento tem causado uma série de mudanças, sobretudo na maneira de trabalhar, lidar com as inovações e com os temas de sustentabilidade.
A gestão feminina traz uma visão mais inovadora, colaborativa e inclusiva, promovendo avanços técnicos e culturais em muitas áreas. Elas promovem uma gestão focada no equilíbrio entre produtividade e preservação ambiental, contribuindo diretamente para um agro mais responsável e eficiente.
“As produtoras agrícolas diversificam o setor, com a empatia, atenção ao detalhe, visão de longo prazo e responsabilidade social. Elas proporcionam ações voltadas para a agricultura sustentável, com práticas como a redução de emissões de carbono, uso racional de recursos naturais e adoção de tecnologias de precisão”, conta Renata Camargo, gerente de desenvolvimento do Transamérica Expo Center e responsável pela gestão do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA).
Essa nova “identidade agro” reflete um cenário mais moderno e alinhado às demandas sociais e ambientais, com a introdução de comportamentos mais colaborativos no campo, com atenção ao diálogo e na solução coletiva de problemas. Elas também são reconhecidas por uma visão estratégica, que combina eficiência operacional com sustentabilidade e inovação.
“Vejo um futuro em que as mulheres ocuparão ainda mais espaço, influenciando não apenas as operações no campo, mas também políticas públicas e estratégias de negócios. No entanto, o cenário exige resiliência e uma postura determinada para superar barreiras e abrir caminhos para outras mulheres”, completa Renata.
Camargo conta que percebeu essas mudanças quando começou a trajetória no universo agro há 10 anos, que no início apresentava mais resistência à presença feminina, o que exigiu muita negociação para quebrar barreiras.
“Apesar das perspectivas serem boas, com um aumento esperado no número de mulheres ocupando posições de liderança e influenciando decisões estratégicas no agro, existem muitos desafios a serem enfrentados. Entre eles estão o da desigualdade de acesso a crédito, terras e tecnologias, o preconceito e a necessidade constante de provar sua competência em um ambiente dominado por homens”, indica a responsável pela gestão do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA).
Os dados dão credibilidade a essa perspectiva, segundo a Associação Brasileiro de Agronegócio (ABAG), elas representam cerca de 30% das lideranças em propriedades rurais e negócios agropecuários.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de estabelecimentos rurais administrados por mulheres aumentou em 38%, entre os anos de 1998 e 2020. A Comissão Sobre a Situação da Mulher na ONU, apontou que 43% dos pequenos agricultores pertencem à população feminina.
O Censo Agropecuário de 2017, mostra que 947 mil mulheres estão no comando de propriedades rurais. Atualmente, são 14 milhões de mulheres trabalhando com o agro, o que representa 30% do mercado de trabalho do agrobusiness, e quase 1 milhão delas comandam 19% das propriedades rurais.
Elas também ganham voz na política, com Silvia Massruhá, a primeira presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Teka Vendramini, conselheira da Embrapa e do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável do Governo Federal.
Para entender um pouco dos desafios enfrentados pelas mulheres no campo, várias pesquisas têm sido realizadas com o objetivo de encontrar respostas de como melhorar as suas vidas, em um cenário que ainda é predominantemente masculino.
Uma delas é a de Rita Almeida, Head de estratégia na AlmapBBDO, que em 2023 desenvolveu o estudo “A Revolução da Longevidade” e acabou focando na área agro. Entre os sete vetores apontados em expansão na área, encontrou o poder feminino, que desponta em um ambiente ainda muito machista.
A pesquisadora explica que as mulheres não só enfrentam esse universo masculino, como trazem mudanças comportamentais, promovendo uma revolução feminina no campo.
A consultora em sucessão familiar, Marielly Biff, coautora do livro “Mulheres do Agro”, lembra que 30 milhões de hectares são administrados por mulheres no Brasil e que o protagonismo feminino promove a equidade de gêneros e tem se tornado papel fundamental nas lideranças das sucessões familiares.
No entanto, a pesquisa de Marielly mostrou algumas dificuldades enfrentadas por elas, como as culturais, emocionais, falta de confiança, econômicas e do desempenho de múltiplos papéis.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que as mulheres representam aproximadamente 43% da força de trabalho agrícola em países em desenvolvimento, no entanto, apenas cerca de 15% das terras agrícolas são controladas por mulheres.
Segundo a especialista, para sanar essas questões é necessário investir em educação, capacitação, assegurar às mulheres o acesso aos recursos produtivos, por meio de políticas, programas e fortalecer as suas capacidades de lideranças.
Formação e qualificação fazem a diferença
Ter uma boa formação profissional e qualificações pode facilitar a vida das mulheres no setor do agronegócio.
Segundo uma pesquisa de Estanislau e colaboradores de 2021 e a dos Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP, a escolaridade foi apontada como um fator essencial da expansão feminina em 44% dos casos.
Isso foi o que ocorreu com Leciane Ribeiro Maciel, cooperada da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (COMIGO), engenheira agrícola e produtora de soja e uvas de mesa no cerrado goiano.
Ela se formou na Universidade Estadual de Goiás em Engenharia Agrícola, fez estágio, iniciação científica e participou da empresa júnior, sempre visando se desenvolver.
“Com a pandemia pude ficar mais próxima a fazenda e foi quando meu marido a chamou para trabalhar ao seu lado. Nesse momento reciclei meus conhecimentos, cursando uma pós-graduação e retornei ao campo trabalhando com todo manejo da soja e a parte administrativa do negócio”, conta Maciel.
Dois anos depois resolveu retirar da gaveta o projeto antigo de produzir uvas de mesa, que virou um bom negócio.
Leciane lembra que as mulheres têm um olhar minucioso dos processos, além de uma visão mais humana no que diz respeito à equipe.
“Para alcançarmos os altos cargos tivemos que investir e desenvolver habilidades que não se conquistam apenas nos bancos das universidades. Foi necessário o desenvolvimento de qualidades pessoais para lidar com conflitos”, conta a produtora.
No entanto, ela admite que a vida das mulheres no campo ainda não é fácil, elas enfrentam dificuldades em obter crédito agrícola, acesso à terra e insumos.
“Em muitas regiões, os recursos financeiros e a assistência técnica são direcionados predominantemente para os homens. O setor agrícola tem raízes culturais e tradicionais fortes, e ainda persiste a ideia de que a agricultura é um espaço masculino. Fora isso, as mulheres enfrentam a dupla jornada, como cuidar da família e gerenciar a propriedade agrícola. Isso exige um esforço adicional e, por vezes, limita seu desenvolvimento profissional. As perspectivas são boas, embora desafiadoras, é preciso mudar os paradigmas e trabalhar a conscientização”, lembra Ribeiro.
A cooperada conta que as mulheres ainda são minoria em conselhos de cooperativas, associações e sindicatos rurais, por isso é fundamental a promoção de políticas que incentivem a representação feminina nesses espaços.
“As redes de apoio e associações femininas são ferramentas poderosas para compartilhar conhecimento, criar parcerias e dar voz às mulheres no campo. O cooperativismo pode facilitar o acesso a mercados e recursos e incentivar a participação das jovens no setor agro, por meio de programas educacionais e de mentoria”, indica Leciane.
Assim como Leciane, a cooperada do Sicoob Crédito Rural, empreendedora de doces cristalizados e pecuarista de leite Simone Paradzinski de Rio Verde, em Goiás, está no setor desde pequena e percebe as mudanças dos agronegócios com a presença feminina.
“No início, não foi fácil ouvir críticas, fui chamada de “mulher macho”, e disseram que “mulher tirando leite” não era algo comum. Mas nada disso me abalou, continuei enfrentando os desafios e fazendo o meu melhor todos os dias. Quando olho para o passado, vejo como a geração da minha mãe enfrentava ainda mais dificuldades. As mulheres eram vistas apenas como responsáveis pelo cuidado da casa e da família. Hoje, eu me orgulho de ser vista como exemplo por outras mulheres, mostrando que é possível ir além”, conta.
Para enfrentar os desafios do campo, ela conta com habilidades como a flexibilidade e a capacidade de ouvir e compreender as pessoas.
“Sempre buscamos encontrar formas de reaproveitar, de criar soluções com foco no futuro, cuidando não apenas de nós, mas também das próximas gerações. O aumento da participação feminina é expressivo, e quando as novas chegam e têm sucesso, inspiram ainda mais confiança e admiração”, lembra Leciane.
Congressos e encontros contribuem para o protagonismo feminino
Além da formação e do desenvolvimento de novas habilidades, outras maneiras das mulheres conquistarem espaço no universo agro é por meio dos encontros e congressos. Um deles é o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, que tem ocorrido todos os anos com o objetivo de tornar as mulheres protagonistas de uma narrativa transformadora, além de oferecer ferramentas para capacitá-las nesse processo.
No ano passado, o evento teve um público significativo, com mais de 3 mil mulheres de todo o Brasil e em 2025, será realizada a sua décima edição, que celebrará uma década de transformações e conquistas para as mulheres no agronegócio. Por isso, o tema escolhido será “CNMA 10+10 – 2025 | 2035 – Mulheres que mudam o mundo para melhor!”.
O evento contou com a parceria do Sicredi, que deu espaço ao networking, bate-papo e a exposição de temas estratégicos, como sustentabilidade e crédito. A organização explicou que as mulheres foram responsáveis por mais de R$8 bilhões em operações de crédito, representando 15% do total liberado.
A representatividade feminina dentro da instituição também é superior à média do mercado, com um percentual de 23,8% entre associados do meio rural.
Uma das cooperadas, que participou do congresso e até se tornou embaixadora de um deles foi Sônia Bonato, agropecuarista em Ipameri, em Goiás, cooperada da Cocari Cooperativa Agropecuária e Industrial e do Sicredi.
Ela conta que apesar de ter passado a infância em fazendas, só foi aprender a trabalhar nelas em 1995, quando se casou e mudou-se para Goiás.
“Fui atrás do aprendizado para poder crescer. Passei a frequentar palestras, fazer curso sobre o agro, para poder administrar os nossos custos e investimentos na propriedade rural. Por meio do conhecimento, comecei a trabalhar com meu marido no agronegócio, e aprendi a amar o ofício”, conta Bonato.
Quando começou, Sônia via poucas mulheres no setor, atualmente percebe mais delas atuando no campo. Ela acredita que a presença feminina tem mudado e irá alterar ainda mais o conceito do agronegócio, trazendo inclusive mais tecnologia para auxiliar os trabalhos femininos, antes realizados pelos homens.
“A mulher tem um olhar diferenciado e trouxe humanização para o campo. Com o passar dos anos, o número delas foi aumentando, hoje temos muitas produtoras rurais à frente de seus negócios. Isso faz a mudança do setor. O mercado é aberto para as mulheres, não só no agronegócio, mas em todas as áreas. Somos o futuro”, finaliza Bonato.
Por Priscila de Paula – Redação MundoCoop