Pense numa pessoa de bastante idade que está vivendo bem: tem autonomia e está satisfeita com a vida que leva. Esta é uma pessoa que soube o que, como e quando fazer para que sua velhice tivesse bases firmes de tal forma que desse sustento a sua alegria de viver.
Sim. Envelhecimento Sustentável é um modelo flexível de levar a vida com felicidade, com significado, com gratidão pelo que se tem e desprendimento para ir-se embora quando chegar a hora.
Em geral essas pessoas dizem: – Estou pronta para ir-me embora. Não que eu queira, mas porque dou por finda a minha missão aqui nessa terra. Quando chegar a minha hora, direi sim com muita disposição.
Os familiares e amigos ficam alvoroçados. “Mas porque você está falando assim? Não fala isso que é pecado! Você ainda vai viver muitos anos!” E a pessoa, simplesmente responde: – Quero não. Para mim já é o suficiente.
E o faz com a naturalidade daquele que empurra o prato de boa comida para longe de si, ainda que pudesse – ou devesse? – abocanhar mais uns nacos.
Pessoas satisfeitas consigo próprias e, com a vida, não temem a morte. Também não a desejam a ponto de precipitá-la. Mas como as famílias ficam perturbadas, tentando demovê-la de suas reflexões realísticas! Impressionante, o silêncio que impomos sobre a morte, própria ou alheia. Falar a respeito parece uma heresia. Há quem diga ‘que atrai’.
Nem heresia, nem inconveniência. Para quem tem bastante idade é inevitável se confrontar com a morte. Muita gente formou uma família que lhe ‘rendeu’ uma grande descendência. E muita gente se vê muito solitária justamente quando chegou à alta velhice.
Pessoas cujos filhos e netos, se os tem, moram fora do país ou em outros estados. Pessoas lindas e incríveis podem, também, nem terem-se casado e agora encontrarem-se numa situação mais delicada.
Há quem se preocupe: – Se eu morrer só vão me encontrar dias depois! Os vizinhos é que vão começar a sentir o cheiro. A quem recorrer para que isso não aconteça? E outros se preocupam com seus animais de estimação.
Estas, em geral, em sua nobreza de sentimentos tentam barganhar: – Não posso morrer antes do meu cachorro. Ele também já está bem velhinho. Quem é que iria querer ficar com um cachorro velho que só dá trabalho e custa dinheiro?
Mas sustentabilidade na velhice não quer dizer dispor de recursos econômicos e financeiros, para pagar os altos custos de um bom plano médico-hospitalar? Não significa ter recursos para morar bem e com segurança? Para poder pagar por cuidadores bem formados? Fazer uma viagem? Dar um presente para alguém? Se alimentar direito e ainda conseguir caminhar uns bons passos no parque?
Se nos detivermos somente no plano físico e material, estaremos falando de somente uma das asas da sustentabilidade. Mas ela tem quatro! Quase como se fosse um drone, pairando sobre a paisagem de um envelhecimento multifacetado, que precisa se assentar também: numa ‘cabeça boa’, numa mente ágil, atualizada e que se planeja bem. Fazem parte, também, cuidados com a saúde física, o que vai além de simplesmente visitar os médicos, fazer a prevenção e se cuidar direito. É saber o que agrega saúde na vida?!
Esse é o ‘x’ da questão. Ter boa saúde para que? Para ficar sentada ou sentado viciado frente a uma televisão, tal como os mais jovens que ‘se perdem’ nas redes sociais sem se comunicarem direito entre si e, consigo próprios?
Saúde é bom para sair de casa, para cuidar das próprias coisas – e aplicações – para aproveitar um concerto, uma visita, ir ao baile e, para cultivar bons amigos. Para trocar calor humano, choros sentidos e altas gargalhadas.
Então, esse drone tem quatro pernas: uma boa base econômico-financeira, cabeça boa e saúde. A quarta? Um senso de missão e fé. Não, não me refiro a missões religiosas e fé nalgum ser divino. Pode-se ser ateu e sentir fé na humanidade. Nas descobertas científicas, nas artes, na bondade. No seu ofício e nos relacionamentos profundos que alimentam o íntimo de cada qual.
Há que se ter fé na vida que se renova. No pôr do sol e no brilho da lua. Nas flores que nos sorriem nas primaveras e nas folhas que caem nos outonos do nosso existir. Nos bichos e na natureza. Há que ter fé em si mesmo e dizer-se, com temperança:
– Sim, tenho vivido uma vida digna e rica, mesmo quando falhei e, depois, soube aprender com meus erros. Não fujo do confronto comigo mesmo. E aprecio a força e a energia das criancinhas e dos adolescentes, mesmo quando eles falam alto demais, fazem uma bagunça infernal, reclamam e choram por qualquer coisa. Inclusive eu os amo quando metem os pés pelas mãos! E assim sendo, muitas vezes eu os quero bem longe de mim, para poder ficar mais comigo mesmo, porque eu gosto da minha companhia.
Por Ana Fraiman – Instituto de Longevidade
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