Um novo ano se iniciou e certamente você, assim como eu, expressou às pessoas queridas os votos de saúde, paz, amor e prosperidade.
Nesta primeira coluna do ano quero convidar você a mergulhar no significado de uma das palavrinhas acima, e que emprego bastante no meu recém-lançado livro Coopbook – Cooperativismo de A a Z: a prosperidade. Como ir além das resoluções de ano novo e, de fato, produzir uma realidade mais próspera?
A meu ver, a prosperidade está intrinsecamente ligada à geração de oportunidades para todos. Na geopolítica do mundo atual, sabemos que miséria, fome e baixa qualidade de vida não existem por escassez de recursos para todos, mas porque poucos ficam com muito.
Aqui no Brasil, por exemplo, os dados sobre concentração de renda são constrangedores: 1% dos brasileiros mais ricos detêm 28,2% da renda do país, enquanto os 40% mais pobres dividem 10,4% da riqueza total, de acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Como é impossível resolver esta equação aplicando uma matemática simplista de somar toda a riqueza mundial e dividi-la igualmente pelo número de habitantes no planeta, a solução é mudar a lógica que construiu essa realidade.
Desmontar, sistematicamente, o esquema que alimenta desigualdades assombrosas e estruturar, de comunidade em comunidade, um modelo mais justo e equânime.
O instrumento que proponho, claro, é o cooperativismo. Não à toa, especialistas no tema apresentam o movimento como uma terceira via diante da polarização entre capitalismo e socialismo, dentro da perspectiva de que ambos não proporcionaram na plenitude um mundo próspero e igualitário para todos.
O autor canadense John Restakis, especialista internacional em cooperativismo, apresenta o movimento como um caminho do meio para tirar a economia global das armadilhas da ordem vigente no livro Humanizing the Economy: Co-operatives in the Age of Capital, que pode ser traduzido como “Humanizando a economia: cooperativas na era do capital”.
A obra ainda não tem edição em português, mas traduzo livremente aqui um trecho que resume bem o modo de operar cooperativo:
Conforme a crise econômica global continua a cobrar seu preço, cooperativas continuam a fornecer meios de sustento e serviços essenciais nos mesmos lugares onde multinacionais estão demitindo trabalhadores e fechando fábricas. Do seu jeito discreto, a visão cooperativista continua a prosperar e guarda as chaves do surgimento de um modelo econômico capaz de refazer e humanizar o atual sistema capitalista.
Particularmente, a ideia de o cooperativismo ser um equilíbrio entre extremos me deixa muito confortável e confiante. O conceito de caminho do meio é o sinalizador de uma prática moderada e não extremada, uma concepção que pode ser aplicada desde o budismo até a economia.
Apesar de revolucionário como reorganizador de recursos, o cooperativismo não exige que se coloque abaixo o sistema existente de forma ruidosa.
A mudança não é feita na base do confronto: as cooperativas têm a capacidade de se adaptar à estrutura de mercado em vigor, como se penetrassem em uma antiga trama para adicionar novos padrões a ela.
O pensamento estruturado do cooperativismo, como conhecemos hoje, deve muito à Escola de Nîmes, movimento criado na França do final do século 19.
Um dos fundadores, o economista Charles Gide, deixou entre os escritos sobre o tema uma seleção de 12 virtudes do cooperativismo, a partir das quais o sistema capitalista seria substituído por uma estrutura de cooperação.
Elas resistiram muito bem ao tempo e seguem atuais, mas uma em especial toca justamente na questão da distribuição de renda e fala sobre “suprimir parasitas”.
Ou seja: eliminar intermediários e atravessadores que se apropriam da riqueza ao distanciar produtores de consumidores.
É neste ponto que o cooperativismo faz toda a diferença. Se você é o dono do negócio, a sua participação volta em lucro proporcional para você, e não se trabalha mais para enriquecer um grupo de poucos, sejam chefes ou investidores.
O cooperativismo de crédito, especialmente, tem uma atuação muito direta na reorganização financeira do Brasil ao deixar de alimentar um dos “filhotes” da desigualdade de renda e riqueza: a concentração bancária.
Em 2019, os cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa Federal e Santander) detinham 81% dos ativos totais do segmento bancário no país.
Além disso, acumulavam 83,4% dos depósitos e 83,7% do total das operações. Os dados são do mais recente Relatório de Economia Bancária, divulgado pelo Banco Central (BC).
Significa que o lucro da movimentação financeira de uma enorme fatia da força de trabalho do país acaba sendo direcionado a uma parcela bem restrita de banqueiros e acionistas.
Hoje o segmento das cooperativas de crédito representa 10% do setor e a meta do próprio BC é dobrar essa marca em pouco tempo.
Com maior capilaridade, as cooperativas também atuam como reguladoras de preços no mercado financeiro, evitando que as taxas sejam precificadas apenas pelos cinco maiores bancos.
E ainda impulsionam a economia local ao descentralizar os recursos, pois os lucros de uma cooperativa de crédito são reinvestidos na região, retroalimentando a cadeia produtiva.
A retenção da riqueza nas comunidades é destacada como uma ferramenta essencial de justiça social também pelo meu colega Ênio Meinen, diretor de Coordenação Sistêmica e Relações Institucionais do Sicoob e um dos principais autores sobre cooperativismo financeiro no país.
“Como empreendimentos comunitários, as cooperativas financeiras evitam a evasão de renda, diferentemente dos bancos e das fintechs, que drenam a riqueza para fora dos territórios, especialmente dos mais remotos e já menos desenvolvidos. Ao reter a poupança no próprio local, reciclando-a, as cooperativas fomentam o chamado círculo virtuoso do cooperativismo financeiro, dando origem a mais empregos, mais renda, mais faturamento, mais arrecadação tributária e, por extensão, permitem investimentos públicos em projetos econômicos e sociais”.
As cooperativas sempre nascem comprometidas em melhorar a situação financeira dos seus membros, é principalmente este caráter empresarial que as diferencia de outras associações.
O fato de o cooperativismo se estruturar como um movimento que serve às pessoas em primeiro lugar, e não ao capital, não impede que ele represente uma fonte digna de renda para os cooperados.
Mas em uma relação ganha-ganha, ainda uma exceção no cenário econômico em que a maioria se sente sempre perdendo.
*Marcelo Vieira Martins é CEO da Unicred União
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